Série de entrevistas com ex-alunas(os) do IFUSP

Da Assessoria de Comunicação do Instituto de Física da USP:

ENTREVISTA COM A EX-ALUNA DO IFUSP, JOSILENE CERQUEIRA SANTOS, QUE RECENTEMENTE PUBLICOU ARTIGO IMPORTANTE EM REVISTA CIENTÍFICA INTERNACIONAL, EM PARCERIA COM O GANHADOR DO PRÊMIO MARIE CURIE DE 2018, PROF. KWAN HG.

    Foto: arquivo pessoal

Onde (local) você se criou? Onde estudou antes de entrar na USP? Conte um pouco sobre sua família, que formação tem/tinham seus pais? Fale um pouco sobre sua origem, formação inicial, etc.

R: Nasci em 1987 numa fazenda de cacau em Ibirataia (Fazenda Floresta Negra), interior da Bahia. Meus pais tiveram 6 filhos e eu sou a quinta deles. Nascidos no sertão da Bahia, meus pais nunca foram à escola. Aprenderam somente a escrever o nome e outras poucas palavras com curso Mobral (Movimento Brasileiro de Alfabetização). Meu pai defendia a ideia que filhos deveriam ajudar os pais no trabalho no campo desde cedo, tal como ele fez. A família dele nunca acreditou na educação, costumavam dizer “escola não é para filhos de pobre”. Por outro lado, a minha mãe insistia que tínhamos que estudar. Meus irmãos mais velhos começaram a estudar em uma escola rural numa fazenda vizinha, porém era muito distante. Por conta disso mudamos para a cidade quando eu tinha quase 7 anos. Na cidade, meu pai passou a trabalhar como Gari até se aposentar recentemente enquanto minha mãe sempre cuidava da casa e dos filhos. Sempre estudei em escola pública em Ibirataia-Ba. Tive a sorte de ter muitos professores inspiradores desde da minha formação inicial até o fim da pós-graduação.  Hoje, da minha família inteira somente eu e mais dois irmãos tem nível superior completo. 

Como foi a decisão de prestar vestibular para USP? Por que Física?

R: Não fiz graduação na USP. Não tinha condições de fazer uma graduação fora do estado da Bahia.

Depois do ensino médio fui selecionada para uma bolsa integral através do PROUNI para cursar Administração na Faculdade de Ilhéus (Ilhéus-BA), e comecei a cursar em 2007. Semanas depois fui também aprovada no vestibular para o curso de licenciatura em Física na Universidade Estadual de Santa Cruz-UESC em Ilhéus. Troquei de curso sem hesitar. Me apaixonei pela Física no ensino médio. Tive um professor de Física que nos ensinava a consertar eletrodomésticos que levávamos de casa para a escola e nos orientava a fazer diversos experimentos de baixo custo. Ficava fascinada ao ver as aplicações da Física em coisas do cotidiano. Ao iniciar o curso de Física, a minha meta era me tornar professora do Ensino Básico. Trabalhei durante toda a graduação. Durante os dois primeiros anos ensinei Matemática e Ciências no ensino fundamental de uma escola pública de Ilhéus e nos dois últimos anos, como professora de Física em cursinho pré-vestibular, além de fazer iniciação científica. Ao longo do curso, com a iniciação científica, descobri que gostava de fazer pesquisa e que queria estudar Física aplicada.  Escolhi Física Médica e decidi tentar fazer o mestrado na USP ou UFMG.   Fui aprovada somente na USP. Numa colocação ruim, não consegui bolsa inicialmente. Dois meses depois consegui bolsa CAPES de mestrado e 4 meses depois meu projeto foi aprovado pela FAPESP e troquei de bolsa

No início foi difícil a mudança de uma cidade do interior para uma grande capital. Foi difícil ficar longe da família e acompanhar as disciplinas do curso de pós-graduação. Mas me adaptei a tempo de não ter o rendimento prejudicado com isso.  Tive o importante apoio do serviço de assistência social da USP que me forneceu alojamento e, em seguida, moradia no CRUSP.

Como / por que foi a decisão / oportunidade de completar seus estudos no exterior? O que e onde você estudou? Há quanto tempo está no (país, local atual)?

R: Durante o mestrado e doutorado no IFUSP, ambos com bolsa FAPESP, tive várias oportunidades de participar de cursos e eventos no exterior. Meu orientador, Paulo Roberto Costa, sempre incentivou seus alunos a participarem desse tipo de evento, para conhecer pesquisadores experientes, divulgar o trabalho etc. Durante meu mestrado e doutorado participei de eventos e cursos em Portugal, Itália, Alemanha, México, Canadá e Estados Unidos. Além disso, nosso grupo de pesquisa (Grupo de Dosimetria das Radiações e Física Médica) sempre recebeu cientistas do exterior, o que me proporcionou a interação com importantes pesquisadores em atividades como palestras, apresentação da minha pesquisa, reuniões individuais para discussão de problemas específicos relacionados ao meu projeto e até mesmo em atividades fora da universidade.  Foi por meio de uma dessas visitas que conheci o professor Kwan H. Ng, uma referência em Física Médica mundial que acabou de receber o prêmio Marie Sklodowska-Curie. Com ele publicamos recentemente o artigo Women in physics: pioneers who inspire us. Dos contatos com outros grupos de pesquisa internacional, recebi o convite de pesquisadores na minha área de pesquisa para tentar uma bolsa de pós-doc na UNAM (Cidade do México, México) e UC-Davis (Califórnia, USA), no entanto, por razões pessoais, decidi adiar o projeto de fazer pós-doc no exterior. Atualmente estou fazendo um pós-doc no IRD (Instituto de Radioproteção e Dosimetria) com bolsa CAPES.

No contexto dos seus estudos/trabalho no (local onde estuda/trabalha) como você avalia a formação obtida no IFUSP?

R: Acredito que recebi uma boa formação do IFUSP e foi notável a minha evolução desde que iniciei o mestrado até o fim do doutorado. A minha formação foi um processo bastante produtivo com a publicação de 11 artigos no período, incluindo uma publicação na Medical Physics que é uma das mais importantes revistas da área. Acredito que saí do IFUSP com um ótimo currículo e me tornei uma pesquisadora independente capaz de seguir a carreira desenvolvendo os próprios projetos de pesquisa, orientando alunos e ensinando. Atualmente estou fazendo um pós-doutorado no IRD (Instituto de Radioproteção e Dosimetria) e acredito que obtive no IFUSP experiência suficiente desenvolver o projeto proposto.

Quais são os principais temas de pesquisas/estudos que você está realizando atualmente? Onde?

R: Atualmente sou pós-doutoranda do Instituto de Radioproteção e Dosimetria (IRD) e estou trabalhando num projeto para confeccionar um simulador radiográfico da mama em 3D para aplicações em mamografia. Na fase atual do projeto já conseguimos imprimir o objeto simulador a partir da segmentação de imagens de tomografia da mama. Porém, para que esse objeto seja radiologicamente equivalente à uma mama, ele deve ser impresso com materiais para os quais os processos de interação da radiação com um de feixe de raios X de mamografia ocorram de modo semelhante às interações do mesmo feixe com os tecidos da mama. A minha função é estudar materiais comercialmente disponíveis para impressão 3D, ou outras soluções alternativas como o uso de ceras vegetais, buscando àqueles que mais se assemelham com os tecidos mamários em termos de interação dos raios X de mamografia. Como resultado espera-se produzir um objeto simulador da mama para aplicações em controle de qualidade de imagens em sistemas de mamografia e tomossíntese da mama.

Também faço parte do grupo MEDICAL PHYSICS: LEADERSHIP AND MENTORING formado por doze jovens profissionais ou estudantes de pós-graduação na área de Física Médica de vários países (Brasil, Perú, Japão, Vietnam, Indonesia, Malasia, etc) e quatro mentores (orientadores informais) a saber:      Prof., Dr. Kwan-Hoong Ng (University of Malaya, Prof.  Dr. Robert Jeraj (University of Wisconsin), Prof.  Dr. Tomas Kron (Peter MacCallum Cancer Centre, Melbourne) e Prof. Dra. Eva Bezak (University of South Australia). O grupo foi criado pelo professor Kwan Ng com o objetivo de encorajar e orientar esses jovens na sua formação e na carreira em Física Médica como cientista/pesquisador.  Segundo o professor Kwan “Há mudanças profundas ocorridas na medicina. Tecnologia e ciência estão se desenvolvendo a uma velocidade incrível. O físico médico não pode estagnar. Devemos estar abertos a mudanças. Devemos evoluir para enfrentar os desafios de hoje.” Temos trabalhado em temas como a participação da mulher na Física Médica, competências e habilidades de líderes em Física Médica e a atuação de jovens cientistas na Física Médica.

Há colaboração entre a instituição em que está atuando e a USP? Se sim, por favor, descreva.

R: Não existe atualmente colaboração formal, mas tenho espaço para isso caso tenha necessidade. Além disso, mantenho contato com meu ex-orientador do IFUSP, com o qual tenho discutido algumas questões relacionadas ao meu projeto atual. 

Quais são os seus projetos para 2018? E na área em que você atua quais são as inovações que você consegue antever?

R: Meus projetos para 2018 são finalizar o pós-doutorado e passar num concurso para professor de Física para adquirir experiência como docente. Meu projeto de vida é me tornar professora e pesquisadora numa universidade onde possa trabalhar com Física Médica. No entanto, os concursos para Física Médica estão escassos. Enquanto não surge a vaga desejada pretendo melhorar meu currículo com alguma atividade docente temporária. Fazer um pós-doutorado no exterior também é uma opção considerada e que agrega valor ao meu currículo.

Avaliando a sua experiência quais são as vantagens e desvantagens de trabalhar e realizar pesquisas no exterior?

R: Não se aplica

Pretende continuar realizando suas pesquisas no Brasil? Por quê?

R: Sim! Gostaria de poder contribuir para desenvolvimento científico do país ao realizar minhas pesquisas e ao passar adiante o que aprendi por meio do ensino. Com o trabalho na área de Física Médica, espero realizar pesquisas que tenham também uma relevante contribuição social, com impacto direto ou indireto na vida das pessoas que precisam de serviços de radiognóstico.

 

Data Publicação: 
terça-feira, 19 Junho, 2018
Data de Término da Publicação da Notícia: 
terça-feira, 31 Julho, 2018

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