A cientista brasileira e a 1ª foto de um buraco negro

Da Assessoria de Imprensa do Instituto de Física da USP:

UMA JOVEM CIENTISTA BRASILEIRA E SUA PARTICIPAÇÃO NA DETECÇÃO DA PRIMEIRA IMAGEM DE UM BURACO NEGRO

A pesquisadora brasileira Lia Medeiros do Steward Observatory da University of Arizona, nos E.U.A, participou da equipe do EHT (Event Horizon Telescope), que fez  a primeira imagem de um buraco negro situado na galáxia M87.

IMAGEM: Lia Medeiros – Crédito: Drew Bourland

Onde você nasceu? Onde estudou antes de ir para os E.U.A? Conte um pouco sobre sua família, que formação tem/tinham seus pais? Fale um pouco sobre sua origem, formação inicial, etc.

“(...) Eu nunca morei mais do que 4 anos em um mesmo lugar.”

Eu nasci no Rio de Janeiro, fui para a Inglaterra com 2 anos, voltei para o Rio com 5 anos, morei em São Carlos por 6 meses, e morei em Belo Horizonte entre os 06 e os 10 anos de idade. Fui para a Califórnia, nos E.U.A., com 10 anos e morei em 4 cidades diferentes na Califórnia durante 14 anos. Eu nunca morei mais do que 4 anos em um mesmo lugar.

Fiz graduação em Berkeley e estudei física e astrofísica. Fiz doutorado na Universidade da Califórnia em Santa Bárbara onde eu obtive uma bolsa da NSF (National Science Foundation). Com essa bolsa eu pude passar alguns anos em outras universidades durante meu doutorado. Nos E.U.A. doutorados em física/astrofísica duram de 5 a 6 anos e incluem também o mestrado. Passei os dois primeiros anos em Santa Bárbara; o terceiro, na Universidade do Arizona; o quarto, em Harvard, o quinto e o sexto anos, na Universidade do Arizona. A supervisora da minha tese é professora na Universidade do Arizona.

Meu pai é professor da USP em São Carlos, e eu acho que a experiência de crescer perto de pesquisa teve um grande impacto em mim. Meu pai sempre incentivou minha curiosidade científica. Minha mãe fez faculdade em psicologia.

Como foi a decisão de estudar no exterior? Por que Física? O que a motivou a pesquisar o Cosmos?

                    “(...) Percebi desde pequena que a matemática era universal (...)”.

Para mim não foi uma escolha estudar no exterior. Eu já estava morando nos E.U.A. e era até mais fácil ir para uma universidade no mesmo sistema escolar e na mesma língua em que eu já estava estudando. Eu me mudei muito quando era pequena e troquei de língua entre o inglês e o português 3 vezes até os 10 anos. Percebi desde pequena que a matemática era universal, e se eu focasse na matemática isso seria útil em qualquer lugar.

Quando eu estudei Cálculo, Física e Astronomia ao mesmo tempo no ensino médio, eu fiquei maravilhada em descobrir como a matemática pode ser usada para explicar, e até fazer previsões sobre o universo. Buracos negros e a relatividade geral me fascinaram ainda mais, especialmente o fato de que velocidades altas e campos gravitacionais podem dilatar o tempo. Lembro-me de perguntar para um professor qual matéria que eu deveria cursar na universidade se eu quisesse estudar buracos negros e relatividade. Ele disse que física ou astrofísica seriam boas opções, então eu estudei as duas.

No contexto dos seus estudos/trabalho como você avalia a formação obtida no Brasil?

                               “(...) Só estudei no Brasil até os 10 anos, e quando cheguei nos E.U.A. estava bem avançada em comparação com meus colegas (...)”.

Isso é um pouco difícil de responder para mim porque eu não tenho um bom conhecimento sobre a formação obtida no Brasil. Só estudei no Brasil até os 10 anos, e quando cheguei nos E.U.A.  estava bem avançada em comparação com meus colegas, mas não sei como comparar o ensino superior que obtive nos E.U.A. com o ensino no Brasil.

Quais são os principais temas de pesquisas/estudos que você está realizando atualmente? Onde?

                             “(...) Já fiz mais de 12.000 simulações de buracos negros diferentes, e calculei o que o EHT (Event Horizon Telescope) iria ver se olhasse para um buraco negro como cada um destes (...)”

Atualmente estou fazendo simulações de buracos negros que são diferentes do que esperamos baseado na teoria da relatividade geral. Estou usando teoria de perturbação para adicionar perturbações à geometria de Kerr (a solução das equações de Einstein que esperamos que descreva buracos negros reais). Já fiz mais de 12.000 simulações de buracos negros diferentes, e calculei o que o EHT (Event Horizon Telescope) iria ver se olhasse para um buraco negro como cada um destes. https://eventhorizontelescope.org/

Estou usando Análise de Componentes Principais (“Principal Components Analysis - (PCA)”), um algoritmo que determina uma autobase para uma base de dados. A autobase é escolhida de forma que o menor número de autovetores seja necessário para descrever grande parte da variabilidade que existe na base de dados original. Descobri que é possível reconstruir todas as 12.000 imagens de buracos negros diferentes usando apenas 4 ou 6 autovetores dependendo do nível de precisão necessário. Atualmente, eu estou pesquisando na Universidade do Arizona e esse projeto foi realizado aqui, mas vou começar um postdoc no Instituto de Estudos Avançados (Institute for Advanced Study – IAS), no primeiro dia de junho deste ano.      

Há colaboração entre a instituição em que está atuando e a USP? Se sim, por favor, descreva.

                                  “(...) Eu acho que ser exposta à pesquisa desde criança (na USP) ajudou a despertar em mim a curiosidade científica.”

Acho que não, mas a USP teve um impacto significativo na minha vida, pois eu ficava muito tempo na USP quando visitava meu pai. Eu acho que ser exposta à pesquisa desde criança ajudou a despertar em mim a curiosidade científica.

Quais são os seus projetos para 2020? E na área em que você atua quais são as inovações que você consegue antever?

                                 “(...) O foco principal da minha tese foi usar simulações de buracos negros e seus discos de acreção turbulentos para entender melhor como a variabilidade da fonte, que vem do fluxo de acreção turbulento, afetaria os observáveis do EHT (...)”.

O EHT (Event Horizon Telescope) tem dois alvos principais, o buraco negro da galáxia M87 e o buraco negro no centro da nossa galáxia, Sgr A*. Até agora só divulgamos uma imagem do buraco negro em M87. Sgr A* é uma fonte significativamente mais difícil de imagear, já que é cerca de 1.000 vezes menor do que o buraco negro em M87. Como está também cerca de 1.000 vezes mais perto de nós, parece ser do mesmo tamanho no céu, mas o menor tamanho estabelece uma escala de tempo de Sgr A* 1.000 vezes menor que a de M87. Isso significa que a estrutura de emissão do Sgr A* pode mudar ao longo do tempo que se leva para obter a imagem, e esta variabilidade torna esse problema muito mais complexo. O foco principal da minha tese foi usar simulações de buracos negros e seus discos de acreção turbulentos para entender melhor como a variabilidade da fonte, que vem do fluxo de acreção turbulento, afetaria os observáveis do EHT. Mostrei que a variabilidade esperada afetaria significativamente nossa capacidade de criar uma imagem usando métodos convencionais e propus um novo algoritmo baseado na Análise de Componentes Principais para resolver esse problema. Atualmente estou trabalhando na finalização deste algoritmo e aplicando-o aos dados do Sgr A*. Espero poder reconstruir uma série temporal de imagens para o Sgr A*.

O número de telescópios envolvidos no projeto EHT já aumentou dos 8 telescópios que foram usados para fazer as observações de abril de 2017 que resultaram na imagem M87 publicada na semana passada. Hoje, 11 telescópios estão prontos para participar das próximas observações do EHT. Esperamos continuar a expandir este projeto e até mesmo consideramos a possibilidade de lançar uma antena no espaço para participar das observações do EHT.     

Avaliando a sua experiência quais são as vantagens e desvantagens de trabalhar e realizar pesquisas no exterior?

                                  “(...) Eu acho que a disponibilidade de financiamento científico para projetos dessa magnitude é uma vantagem significativa na realização de pesquisas científicas nos Estados Unidos.”

O EHT recebeu 28 milhões de dólares de financiamento ao longo de vários anos para tornar possível este recente resultado. Eu acho que a disponibilidade de financiamento científico para projetos dessa magnitude é uma vantagem significativa na realização de pesquisas científicas nos Estados Unidos.

Pretende voltar e continuar a realizar suas pesquisas no Brasil? Se sim, por quê?                                                                            

                     “(...) Eu tenho muito orgulho de ser brasileira (...)”.

Eu gosto muito do Brasil, me sinto mais em casa no Brasil do que nos E.U.A., e tenho muito orgulho de ser brasileira. Atualmente não tenho nenhum plano específico de voltar, mas já pensei muito sobre isso em várias etapas da minha vida. Eu já estou fora do Brasil há bastante tempo e, portanto, eu estou meio sem prática em português, o que dificulta um pouco voltar a fazer pesquisa no Brasil.

ALGUMAS IMAGENS DE SIMULAÇÕES DE BURACOS NEGROS REALIZADAS POR LIA MEDEIROS E C. K. CHAN, NA UNIVERSITY OF ARIZONA

Créditos: LIA MEDEIROS E C. K. CHAN. UNIVERSITY OF ARIZONA

Créditos: LIA MEDEIROS E C. K. CHAN. UNIVERSITY OF ARIZONA

Créditos: LIA MEDEIROS E C. K. CHAN. UNIVERSITY OF ARIZONA

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Data Publicação: 
quarta-feira, 24 Abril, 2019
Data de Término da Publicação da Notícia: 
sábado, 31 Agosto, 2019

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