Artigo na Nature sobre inversão da seta do tempo

Artigo |  | Publicado em: 05 de junho de 2019

Reversing the direction of heat flow using quantum correlations

Autores:

Kaonan MicadeiJohn PS PetersonAlexandre M. SouzaRoberto S. SarthourIvan S. OliveiraGabriel T. LandiTiago B. BatalhãoRoberto M. Serra & Eric Lutz

Nature Communications  10 , Numero do artigo:  2456 ( 2019 ).

Revertendo a direção do fluxo de calor utilizando correlações quânticas

A termodinâmica nos ensina que, quando dois corpos ou sistemas com temperaturas diferentes são colocados em contato (dito, térmico), o mais quente esfria e o mais frio esquenta, até que os dois atinjam a mesma temperatura ‒ ou o equilíbrio termodinâmico, como preferem os físicos. 

Percebemos isso quando colocamos pedras de gelo na limonada. Esse processo é uma via de mão única, ou seja, à medida que o tempo passa, a parte mais fria esquenta, e aquela mais quente esfria, até que ambos  ficam iguais em suas temperaturas. O renomado astrônomo britânico Arthur Eddington (1882-1944) deu nome a esse fenômeno: a seta do tempo (ou, tecnicamente, a seta termodinâmica do tempo), ligada a uma das mais poderosas leis da natureza, a segunda lei da termodinâmica, que explica por que uma xícara de chá que cai ao chão e se quebra não volta intacta para cima da mesa ou por que o perfume não retorna ao interior de um frasco aberto.

Em 1872, o físico e matemático britânico James Maxwell (1831-1879) introduziu a ideia de que um ser inteligente poderia violar esta lei. Para isso, esta entidade deveria ser capaz de medir a velocidade das moléculas de um gás em um recipiente e separar as mais lentas de um lado e as mais rápidas do outro lado. 

Em um gás, a velocidade das moléculas é diretamente proporcional à temperatura desse sistema. Ao fazer tal separação, aquele ser inteligente conseguiria fazer com que um lado do recipiente ficasse mais quente, e o outro, mais frio. Imaginando um aquário com água, seria como se a ação desse demônio pudesse fazer com que tivéssemos água quase fervendo de um lado e água quase congelando do outro.

Se isso pudesse ocorrer, seria possível extrair trabalho mecânico desse sistema sem que fosse necessário introduzir nele calor. Ou seja, o ser inteligente violaria a segunda lei da termodinâmica. O físico britânico William Thomson (1824-1907)‒ mais conhecido como lorde Kelvin ‒ batizou aquele ser inteligente como ‘demônio’, alegando que somente uma entidade diabólica seria capaz de tal feito. 

Paradoxo

Esse paradoxo da teoria da termodinâmica ficou conhecido como ‘demônio de Maxwell’, e vários cientistas tentaram resolver o problema e/ou até mesmo bolar dispositivos que pudessem atuar como o tal entidade. 

O alemão Rolf Landauer (1927-1999) e o norte-americano Charles Bennett propuseram uma solução para o paradoxo: a memória do demônio de Maxwell teria que ser finita e, quando se esgotasse, seria necessário gastar energia para apagar a informação contida nela.

Dessa forma, o trabalho que seria realizado pelo sistema por causa da ação do demônio seria compensado na hora de apagar sua memória. E isso está de acordo com a segunda lei da termodinâmica. 

A resolução desse paradoxo criou uma conexão entre a bem estabelecida teoria da termodinâmica e a mais recente teoria da informação. 

Inversão da seta

Na informação quântica ‒ área de pesquisa iniciada na década de 1980 ‒, estudamos como armazenar, processar e transmitir a informação usando, para isso,  sistemas quânticos. Desde então, surgiram estudos conectando informação quântica e termodinâmica, levando a uma nova e intrigante área de pesquisa chamada termodinâmica quântica, na qual muitos resultados têm sido obtidos.

Um deles, recente, foi do Grupo de Informação Quântica do CBPF, em colaboração com uma equipe internacional. O artigo publicado na edição desta quarta-feira (05/06/19) da Nature Communications ‒ mostra que é possível haver a inversão da seta do tempo termodinâmica. E que o preço para isso ocorrer é algo que pode ser comparado à solução de Landauer e Bennett para o demônio de Maxwell.

Nesse trabalho experimental, usamos dois sistemas com temperaturas distintas, quanticamente correlacionados (podendo estar emaranhados), fenômeno estranho para nosso cotidiano, mas é corriqueiro no microuniverso dos átomos e suas partículas.

Núcleos atômicos desempenharam o papel de ‘corpo quente’ e ‘corpo frio’. Quando esses sistemas interagiam entre si, o mais frio esfriava e mais quente esquentava, contrariando a seta termodinâmica do tempo e, por conseguinte, a segunda lei. 

Posto de modo simples: o tempo pode, sim, ‘andar’ para trás. Pelo menos, no diminuto universo atômico e subatômico. 

Mostramos que para que  essa reversão temporal, dentro do contexto da termodinâmica, ocorresse, as correlações quânticas tiveram que desempenhar papel fundamental: elas foram ‘consumidas’, levando a uma diminuição geral do emaranhamento dos dois sistemas (corpos).

Também assinam o artigo Ivan dos Santos Oliveira e Alexandre Martins de Souza, pesquisadores do CBPF, e John Peterson, doutor pelo CBPF e agora pós-doutorando no Canadá. Há também autores da Universidade Federal do ABC (SP), Universidade de São Paulo, bem como da Alemanha, do Reino Unido e de Singapura.

Release produzido pela equipe da CBPF (Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas).

Link para o artigo:

https://www.nature.com/subjects/physics/ncomms

CONTATO NO IFUSP:

Prof. Dr. Gabriel Teixeira Landi

E-mail: gtlandi@if.usp.br

 

 

 

 

Data Publicação: 
quarta-feira, 5 Junho, 2019
Data de Término da Publicação da Notícia: 
sábado, 31 Agosto, 2019

Desenvolvido por IFUSP