Linhas de Pesquisa

Reações nucleares consistem em um bom exemplo de mecanismo envolvendo muitos corpos: o núcleo contém até centenas de nucleons e durante a reação outras partículas são geradas. Em altas energias, mesmo colisões próton-próton geram centenas de partículas. Se por um lado o grande número de partículas do sistema interagente causam as dificuldades naturais de sistemas de muitos corpos por outro lado oferecem uma excelente oportunidade para tratar dos aspectos estatísticos e termodinâmicos de sistemas quânticos fortemente interagentes. Os aspectos estatísticos das reações nucleares apresentam algumas características importantes que os transformam em um conjunto único entre todos aqueles encontrados na natureza:

1. Os constituintes interagem fortemente, e essa interação governada pela QCD ainda não foi plenamente testada. Enquanto na Física de Partículas a chamada QCD perturbativa (pQCD) e uma ferramenta teórica útil, devido a propriedade da liberdade assintótica característica da QCD, na Física Nuclear as interações entre os constituintes são suficientemente fortes para que a técnica de expansão em series perturbativas não seja aplicável.

2. Sendo formado por bósons e férmions, o sistema oferece toda a complexidade (em termos de cálculo) envolvida na simetrização ou antissimetrizacão da função de onda. É notória a dificuldade em se tratar de férmions, por exemplo, na área de QCD na rede (LQCD). Portanto existem dados teóricos evidentes nessa área. Essas características causam restrições e facilitações ao tratamento teórico que são diferentes quando se varia a energia da reação nuclear, daí a necessidade em se classificar as reações em função da energia: baixa, intermediária, alta e relativística. Abaixo, os critérios para essa classificação, sempre arbitrários, serão esclarecidos:

i) Baixa Energia

Consideramos como sendo de baixa energia as reações em que:

a) A antissimetrizacão da função da onda causa efeitos fundamentais para a compreensão dos processos nucleares, de modo que a estrutura nuclear é um ingrediente fundamental.

b) Os graus de liberdade nucleônicos são restritos devido ao bloqueio dos estados finais de acordo com o Princípio de Exclusão de Pauli (bloqueio de Pauli).

c) Neste caso o núcleo e considerado fluído e modelos hidrodinâmicos são geralmente usados, e os graus de liberdade coletivos dominam o processo.

d) A energia de excitação e geralmente inferior a 50MeV.

 

ii) Energias Intermediárias

a. Nesta faixa de energia o bloqueio de Pauli passa a perder sua efetividade. Os graus de liberdade nucleônicos passam a ganhar importância e a transição dessas partículas entre os níveis nucleares de partículas independentes passam a ser fundamentais.

b. Enquanto em energias baixas a antissimetrização gerava a facilidade de reduzir os efeitos dos graus de liberdade nucleônicos, permitindo o domínio dos graus de liberdade coletivos, aqui o sistema se encontra numa complicada fase de transição entre os dois regimes, sendo graus de liberdade de partícula independente fundamentais para a compreensão da reação enquanto a estrutura nuclear ainda determina fortemente as características do sistema.

c. O cálculo preciso do bloqueio de Pauli se torna realmente importante na descrição dos processos nucleares o cálculo preciso dos efeitos da antissimetria da função de onda e determinante no resultado teórico. De fato, se em energias mais baixas todos os processos abaixo do nível de Fermi eram bloqueados, simplificando os cálculos, aqui uma fração significativa, mas não dominante, dos processos abaixo do nível de Fermi são permitidos.

d) Esta faixa de energias vai de 50MeV a 1GeV.

iii) Altas Energias

a) Em altas energias os aspectos relativísticos passam a ser importantes. O número de partículas não é mais constante e a produção de mésons secundários principalmente, mas bósons e bárions em energias mais altas) passa a ser fundamental.

b) Os graus de liberdade coletivos são desprezíveis e o processo e dominado por graus de liberdade nucleônicos e subnucleônicos, estes determinantes na descrição da produção de ressonâncias bariônicas ou na produção de partículas secundárias em geral. Modelos que descrevem o nucleon e sua estrutura passam a ser importantes.

c) A medida que a energia aumenta o bloqueio de Pauli deixa de ter importância e o tratamento do sistema como um gás quântico fica facilitado pois os efeitos da antisimetrização deixam de ser fundamentais na descrição dos processos nucleares.

d) Consideramos altas energias a faixa entre 1GeV e 10GeV.

iv) Energias Relativísticas. Nesta faixa a estrutura nuclear e totalmente ignorada. Graus de liberdade nucleônicos perdem a importância porque a energia de ligação é muito inferior a energia da colisão. O núcleo é muitas vezes visto como um conjunto de partículas praticamente desligadas.

a) A estrutura nucleônica passa a ser relevante segundo a dominância dos graus de liberdade subnucleares.

b) Na faixa de energia mais baixa a antissimetrização volta a ser implantada para a descrição da estrutura nucleônica.

c) Em energias mais altas um sistema em equilíbrio termodinâmico é formado. Esse sistema pode ser compreendido como um gás de ressonâncias hadrônicas e os efeitos da antissimetrização são negligíveis devido ao amplo espaço de fase disponível.

d) Em energias ainda mais altas os bárions e os mésons deixam de ser importantes (com graus de liberdade) e a descrição do sistema passa a ser em termos dos seus constituintes quarks e mésons. Temos o plasma de quarks e glúons.

e) Esta faixa corresponde a energias acima de 10GeV.

Deve-se ressaltar que a divisão acima e meramente esquemática e que a transição de uma faixa a outra apresenta superposições de fenômenos, o que geralmente traz dificuldades adicionais a descrição dos processos nucleares que ocorrem durante a reação. Também é importante notar que em muitos casos reações numa faixa de energia permitem também o estudo das faixas de energia mais baixas. Um exemplo marcante são as reações em energia intermediária induzidas por fótons: pode-se estudar a formação de ressonâncias bariônicas, a produção de mésons escalares e vetoriais, a emissão de nêutrons e prótons rápidos e a formação de um núcleo residual com uma determinada energia de excitação que é suficientemente mais baixa para que esse núcleo continue a decair por processos como espalação. Em casos de energia mais alta, a multifragmentação também pode ser um mecanismo importante. O tratamento teórico de cada uma das categorias descritas tende a ser diferente. No presente projeto dispomos de duas ferramentas teóricas que nos permitem tratar ao menos alguns aspectos das reações em todas as categorias:

a) O modelo CRISP (acrônimo para Colaboração Rio-Ilhéus-São Paulo), que usa o método de Monte Carlo para tratar dos processos de cascata intranuclear que ocorre em energias intermediárias e altas e dos processos de evaporação e o que ocorrem em energias baixa e intermediária.

b) A Teoria Auto Consistente Não Extensiva (TACNE) que introduz a estatística não extensiva proposta por Tsallis na Termodinâmica auto consistente, e com isso consegue descrever de forma simples muitos resultados experimentais de colisões relativísticas.