ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL DA USP
Reminiscências: ser caloura na Faculdade de Filosofia da USP em 1959…
Lighia Brigitta Horodynski-Matsushigue é professora colaboradora sênior do Instituto de Física (IF-USP)

No antigo Departamento de Física da Faculdade permanecemos, como pós-graduandos, Kasuo Ueta e eu e, mais tarde, retornando de anos de trabalho no IPEN, veio a colega Lia Queiroz do Amaral, enquanto outros permaneceram naquela instituição. Vários colegas foram para a Unicamp – então, em formação – ou, mesmo voltaram aos seus estados de origem.
A FFCL, na época ainda situada na histórica Maria Antônia, era o centro da efervescência política de toda a universidade e boa parte do curso, a que versava exclusivamente sobre a teoria da Física ou a relacionada com conteúdos da Matemática, continuavam sendo oferecidos lá. Contudo, a parte experimental e algumas matérias mais avançadas já eram oferecidas no Campus do Butantã, então acessado apenas pelas atuais passagens pelo Instituto Butantã – quase tudo, menos o prédio da Biologia, que até hoje existe, constava apenas de projetos. Até mesmo do futuro IF havia apenas o prédio Jafet e seu anexo, mas já existiam dois Laboratórios de Pesquisa em Física: o do Betatron (que foi substituído pelo Acelerador Linear) e o do Van de Graaf (sucedido pelo Pelletron). E, a efervescência, também a científica, permeava todos os ambientes. Era uma alegria fazer parte dessa aventura!
O Grêmio da FFCL era extremamente ativo em nossa época, em particular também durante a gestão do colega Fuad Saad, também do Curso de Física (um ou dois anos posterior a mim). Sob sua iniciativa, fizemos várias viagens, para ajudar a entender um pouco mais esse imenso país. Assim, fomos de ônibus a Brasília (recém-inaugurada…) e ao extremo sul (Porto Alegre).
Tivemos aulas com professores e pesquisadores conhecidos, como Mario Schenberg e José Goldemberg, além de Ernst (Ernesto) Hamburger, que foi meu orientador de iniciação científica. Amélia Hamburger, sua esposa e mãe de Carlos (Cao) Hamburger, além de outros quatro filhos – todos muito conhecidos em suas respectivas área de atuação – foram pessoas importantes na minha formação.
Ao término do curso, em 1962, já se prenunciava a virada dramática que viria a acontecer dois anos depois. Vivi algumas escaramuças com estudantes do Mackenzie, do outro lado da rua Maria Antônia; esses nos atacavam, com o mote de “comunistas”, mas estávamos longe de imaginar o que estava sendo gestado: o golpe de 1964. Mas: sobrevivemos também a isso, embora essa tomada forçada do poder pelos militares tenha custado caro a muitos cientistas e militantes. Amélia e Ernesto Hamburger tiveram que pagar um preço alto por suas convicções políticas, mas nunca deixaram de acreditar, assim como eu, que os bens materiais e, especialmente, os intelectuais, precisam ser compartilhados por toda humanidade! E, aí, a educação pública de qualidade, mais ainda no Ensino Superior, precisa ser mantida ou resgatada, a todo custo!