Matéria do Jornal da USP sobre o detector Mario Schenberg


Doação de detector de ondas gravitacionais paralisa projeto brasileiro

Não há prazo definido para remoção do equipamento Mario Schenberg do Instituto de Física da USP e sua remontagem no Inpe


Em fevereiro, cientistas do projeto Ligo (sigla em inglês do Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferômetro de Laser), nos Estados Unidos, anunciaram a primeira detecção de ondas gravitacionais previstas pelo físico alemão Albert Einstein em sua célebre teoria da relatividade geral. No mesmo mês, o projeto brasileiro para captação dessas ondas iniciava uma mudança de endereço. O Instituto de Física (IF) da USP doou o equipamento, que leva o nome do físico brasileiro Mário Schenberg (1914-1990), ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Detector de ondas gravitacionais do Instituto de Física doado ao Inpe – Foto: Marcos Santos/USP Imagens


Segundo Marcos Nogueira Martins, diretor do IF, o detector Mario Schenberg é resultado de uma colaboração entre o IF e o Inpe. “Estamos doando o equipamento para a instituição que já fazia parte do acordo que deu origem ao equipamento, [o trâmite de doação] passou só pela diretoria e já foi aprovado”. Ele afirma que não há professores do Instituto de Física que trabalhem especificamente na área de detecção de ondas gravitacionais. “O detector opera em temperaturas muito baixas. A parte de criogenia era feita por um docente do Instituto, mas ele se aposentou, por isso estamos transferindo ao Inpe para ser mais prático eles tomarem conta”, informa Martins.

A criogenia é um ramo da físico-química que estuda tecnologias para a produção de temperaturas muito baixas (abaixo de -150 graus Celsius), a partir de gases como o nitrogênio, hélio e oxigênio em seus estados liquefeitos. O professor aposentado em questão é Nei Fernandes de Oliveira Junior. O físico conta que a decisão de transferir a antena foi do departamento de Física dos Materiais e Mecânica, onde se encontra o Laboratório de Estado Sólido e Baixas Temperaturas:

 
A função do laboratório não era produzir um grupo para estudar ondas gravitacionais. O laboratório dava suporte para o projeto ser possível e fazer a criogenia, já que o departamento tem uma infraestrutura ímpar no Brasil.

A transferência do equipamento começou no final de fevereiro e deve ser finalizada até 20 de maio, mas ainda não há prazo para sua remontagem em São José dos Campos (SP), onde fica a sede do Inpe.

Odylio Aguiar, pesquisador do Inpe e responsável pelo detector de ondas gravitacionais brasileiro Mario Schenberg, disse que ainda não conseguiu a verba necessária para montar o equipamento no novo local. Na remontagem, ele espera aperfeiçoar o detector para melhorar sua sensibilidade e conseguir, como o Ligo, captar o sinal das ondas gravitacionais. Aguiar, além de estar à frente do projeto do Brasil de detecção de ondas gravitacionais, é um dos sete brasileiros que compõem a equipe do Ligo.

O pesquisador do Inpe concorda que a transferência facilitará os estudos porque os pesquisadores de São José dos Campos estarão próximos ao detector. “Nos 15 anos que o Schenberg esteve na USP, tivemos apenas dois alunos de física experimental do Instituto de Física e oito do Inpe, mas estes não podiam morar em São Paulo para trabalhar continuamente no detector, então só faziam visita pontual. Isso fez com que o projeto estivesse mais lento do que gostaríamos”.

Equipamento está sendo desmontado e transferido para São José dos Campos – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

 

 

O ponto negativo da mudança do detector da USP para o Inpe será a necessidade de montar a estrutura física para o equipamento que, hoje, está pronta no Instituto de Física.

Aguiar e Oliveira Junior disseram que o suporte de criogenia foi um dos fatores que motivaram a doação do detector. “O departamento usou o argumento de que o detector consumia muito hélio para tirá-lo de lá. Mas [a criogenia do IF] está ampliada graças ao Schenberg, tem muito mais balões de recuperação de gás hélio, duas liquefatoras que podem operar, antes só tinha uma”, explica Aguiar.

De acordo com o professor Oliveira Junior, “se livrando da antena, eles [o departamento de Física dos Materiais e Mecânica] acham que se livraram de um consumidor de hélio, mas isso é errado, porque a antena era um meio de se comprar hélio”.

A diretoria do Instituto de Física não soube informar os gastos com a manutenção do detector de ondas gravitacionais porque a utilização de hélio não era feita de modo contínua, mas de acordo com os experimentos feitos pelo grupo de pesquisa de Aguiar. A construção e operação do detector Mário Schenberg contou com financiamento da Fapesp de 2000 a 2013. Ao todo, o investimento foi de cerca de 1 milhão de dólares.

Ondas gravitacionais

A importância da detecção das ondas gravitacionais se deve à comprovação da teoria de Einstein e a possibilidade de estudar eventos do Universo antes inacessíveis. O físico previu matematicamente na sua teoria da relatividade geral, em 1916, a existência de radiação produzida pela aceleração de objetos com grandes massas.

Leia mais em: Ondas gravitacionais: só o começo da verdade que está lá fora

Corpos de grande massa, como estrelas de nêutrons, pulsares e buracos negros, geram um emaranhado de ondas gravitacionais – Imagem: Henze/NASA

A onda detectada pelo projeto Ligo, anunciada em fevereiro, foi resultado da interação de dois buracos negros com massas aproximadamente iguais a 29 e 36 vezes a massa do Sol. Essa aceleração entre os dois corpos produziu ondas gravitacionais, que se deslocaram para fora da massa e se propagaram no Universo à velocidade da luz. Esse evento com os buracos negros ocorreu há 1,3 bilhão de anos-luz da Terra (um ano-luz é a distância que a luz percorre em um ano, com a velocidade de 300 mil km/h).

“Essa onda gravitacional praticamente não interage com a matéria, ou seja, passa pelos objetos e provoca deformações muito pequenas, ao contrário da onda eletromagnética”, explica o professor Oliveira Junior. Por não interagir com corpos, as ondas gravitacionais chegam à Terra praticamente na sua forma original, o que pode fornecer informações diretamente de sua fonte de formação: explosões de supernovas, formação de buracos negros, entre outros eventos do Universo.

Aguiar ressalta outra característica das ondas gravitacionais: seu comprimento é grande, muito maior que um quilômetro, mas a amplitude é pequena, menor que o diâmetro de um próton. Isso dificulta a detecção de sua amplitude na Terra e por isso a importância de detectores altamente sensíveis.

Detector Mario Schenberg

Atualmente, o detector de ondas gravitacionais com maior sensibilidade para captar as ondas gravitacionais é o do projeto Ligo, nos Estados Unidos. Mas os pesquisadores do Inpe estão trabalhando para melhorar os sensores (transdutores) do detector Mário Schenberg e diminuir a temperatura de resfriamento do equipamento, e assim ampliar as possibilidades de detecção das ondas gravitacionais pelo projeto brasileiro.

Os primeiros testes com o Schenberg começaram em 2006. O equipamento é composto de uma esfera maciça de 65 centímetros e 1.150 kg (94% de cobre e 6% de alumínio), resfriada a temperaturas próximas do zero absoluto, e equipado para detectar a vibração produzida pela passagem de ondas gravitacionais. Para isso, a antena possui isolamentos contra ruídos, como oscilações externas e da própria Terra, ondas sonoras e calor.

 
Queremos aperfeiçoar o Schenberg porque a vantagem do detector esférico é ele determinar a direção de onde veio a onda gravitacional e o seu formato. Informações que o Ligo não conseguiu captar

A esfera possui nove sensores. “Se a onda gravitacional passar pela esfera, esta será colocada em oscilação; uma vez produzida a oscilação, ela poderá ser percebida por meio de um transdutor muito sensível”, diz Aguiar. Assim, o transdutor é o que permite transformar a oscilação, que é uma força mecânica, em um sinal elétrico para análise em computadores. Os cientistas do Inpe já desenvolveram cinco gerações de transdutores. E nos últimos testes feitos para o resfriamento, em outubro e novembro do ano passado, eles chegaram a temperatura de 268 graus Celsius negativos. A faixa de operação do detector está 3.150 a 3.250 hertz. Só para comparar, a faixa da onda gravitacional detectada pelo Ligo estava entre 35 e 250 hertz.

Aguiar lembra que para chegar a essa sensibilidade, o projeto Ligo consumiu quase 1,1 bilhão de dólares, enquanto o Schenberg gastou 1 milhão. “Queremos aperfeiçoar o Schenberg porque a vantagem do detector esférico é ele determinar a direção de onde veio a onda gravitacional e o seu formato. Informações que o Ligo não conseguiu captar”.

Fonte: Jornal da USP

Desenvolvido por IFUSP