Bismutato de Bário surpreende cientistas com características anômalas de condutividade térmica
Artigo Anomalous Glassy Thermal Conductivity in a Perovskite Bismuthate Induced by Structural Dynamic Instability
Dos autores Alexandre Henriques, Mariana S. L. Lima, Gøran J. Nilsen, Matthias J. Gutmann, Steffen Wirth, Walber H. Brito, Valentina Martelli
Publicado em Advanced Science.
Informações e comentários da pesquisadora Valentina Martelli.
Pesquisadores do IFUSP e da UFMG descobriram que o cristal de bismutato de bário (BaBiO₃) apresenta condutividade térmica tão baixa quanto a de um vidro, apesar de sua estrutura ordenada. A pesquisa, publicada na revista Advanced Science, lança luz sobre mecanismos inéditos que podem revolucionar o uso de óxidos funcionais em tecnologias de isolamento térmico e dispositivos termoelétricos.
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Nem sempre os materiais se comportam como esperamos. Um bom exemplo disso é o bismutato de bário, de fórmula química BaBiO3. Apesar de ser um cristal bem ordenado (com diferentes fases estruturais), ele conduz o calor tão mal quanto os vidros, que são materiais amorfos. Essa recente descoberta acaba de ser publicada na revista Advanced Science.
O bismutato de bário é um material conhecido desde a década de 1960, mas não havia sido explorado por este ângulo, já que pesquisas anteriores focaram em aplicações como supercondutividade, fotocatálise e outras. O trabalho explorou a expertise em transporte térmico do grupo liderado pela pesquisadora Valentina Martelli (IFUSP) para investigar o material sob nova perspectiva, no contexto do projeto de pesquisa de doutorado do aluno Alexandre Henriques (IFUSP). Em relação à parte teórica, o pesquisador Walber Hugo Brito (UFMG) conduziu as simulações com técnicas computacionais no estado da arte que permitiram calcular a condutibilidade térmica do material.
Em cristais, a condução de calor é governada principalmente por dois tipos de portadores de calor: os elétrons e os fônons. Os últimos podem ser considerados como sendo quantizações das vibrações da rede cristalina. Enquanto os elétrons desempenham um papel bastante relevante no transporte de calor em materiais metálicos, os fônons desempenham papel central em isolantes e semicondutores, como no caso do BaBiO3. A eficiência com que esses portadores transferem energia térmica depende de diversos fatores, como a estrutura cristalina, a presença de defeitos, e os mecanismos de espalhamento. Como exemplo, podemos citar o diamante que é um péssimo condutor elétrico, porém ótimo condutor térmico. Já os vidros, que têm uma estrutura desordenada, dificultam o movimento dos portadores de calor, resultando em baixa condutividade térmica.
O que chama a atenção no BaBiO3 é que, apesar de ter seus átomos organizados em um padrão cristalino, ele apresenta uma condutividade térmica extremamente baixa, comparável à de materiais vítreos (amorfos). Isso indica que há algo incomum acontecendo em sua estrutura interna. Segundo os pesquisadores, o material apresenta uma combinação de mecanismos não usuais, como instabilidades dinâmicas, que dificultam o transporte dos fônons: eles ficam espalhados demais e são transmitidos apenas por um caminho bem curto dentro da amostra, como se o material fosse um vidro.
Para chegar a essa conclusão, os cientistas combinaram experimentos de condutividade térmica com simulações computacionais. Em destaque, o fato de se tratar de uma colaboração brasileira teórico-experimental, com uso de métodos experimentais sofisticados e esforço teórico significativo, envolvendo cálculos avançados e alto poder computacional.
Os experimentos foram conduzidos no Instituto de Física da USP, combinando dois métodos experimentais: o primeiro chamado de método estacionário, baseado num fluxo de calor estável através do material e o segundo, chamado de 3ω, que é uma metodologia avançada baseada no uso de uma excitação térmica oscilatória. A combinação de metodologias permitiu medir a condução de calor em um considerável intervalo de temperaturas: de -271°C até 122° C.
Já as simulações, feitas em supercomputadores brasileiros como o Santos Dumont (LNCC), Ada lovelace (CENAPAD-SP) e o Coaraci (Unicamp), permitiram estudar o comportamento dos fônons no BaBiO3 em detalhes, com o apoio de ferramentas como Teoria do Funcional da Densidade (DFT) e aprendizado de máquina.
De um ponto de vista do potencial tecnológico, a descoberta contribui na busca de novos materiais funcionais, com características que possam ser controladas para diversas aplicações. Materiais óxidos funcionais, em particular, são compostos que apresentam propriedades físicas ou químicas ainda pouco compreendidas, e com grande potencial nesse contexto.
De um ponto de vista fundamental, o BaBiO3 é um óxido com propriedades físicas emergentes ainda não totalmente explicadas. Além de possuir uma fase isolante pouco compreendida, o composto apresenta uma fase supercondutora (que conduz eletricidade sem perda resistiva) ao ser dopada com Pb/K; essa fase é caracterizada por uma temperatura crítica de aproximadamente 32 K e classificada como não convencional. Adicionalmente, o BaBiO3 tem sido considerado um candidato para realização de fases eletrônicas topológicas.
No sentido de aplicações tecnológicas, a descoberta de um comportamento do BaBiO3 semelhante ao vidro é bastante atrativo pois indica que este material pode ser empregado, por exemplo, como isolante térmico em dispositivos que exigem baixa dissipação térmica ou como plataforma (após apropriada dopagem eletrônica) para desenvolvimento de novos dispositivos termoelétricos.
Essas propriedades térmicas não usuais do BaBiO3, o colocam como candidato para o design de heteroestruturas funcionais, que surgem da combinação de dois ou mais materiais diferentes, geralmente em camadas finas e alternadas, que apresentam propriedades otimizadas ou novas, em relação aos materiais que as formam sendo considerados separadamente.
O estudo é parte de uma colaboração teórica-experimental coordenada pela professora Valentina Martelli (IFUSP). Os experimentos foram realizados por ela e pelo doutorando Alexandre Henriques (IFUSP) e pós-doutoranda Mariana Lima (IFUSP). As simulações computacionais e cálculos teóricos ficaram a cargo do professor Walber Brito (DF-UFMG). O grupo também contou com a participação de pesquisadores, Dr. Gohan e Dr. Gutmann, do ISIS Neutron and Muon Source - Reino Unido, e do Instituto Max Planck (Dr. Steffen Wirth), na Alemanha. Agradecemos o apoio financeiro da FAPESP e do Instituto Serrapilheira.