Emaranhamento e o Nobel de Física de 2022

Texto do pesquisador Marcelo Martinelli, Professor Titular do IFUSP e membro do Laboratório de Manipulação Coerente de Átomos e Luz (LMCAL), sobre o anúncio dos vencedores do Prêmio Nobel de 2022 em Física.
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Em 1935, Einstein, Podolsky e Rosen [1] questionaram a Mecânica Quântica, propondo uma situação na qual duas partículas compunham um estado com correlações perfeitas de posição e amplitude. Nesta situação, a medida de posição ou momento da primeira partícula revelava que a segunda partícula estaria em um auto-estado de posição, ou momento. Mas a partícula 2 não poderia estar simultaneamente em um auto-estado de posição e momento, o que violaria a relação de incerteza. Fica a desagradável sensação de uma “ação à distância”, tanto não-física quanto fantasmagórica. Seria o caso de termos as partículas 1 e 2 com sua situação bem definida a priori por algum mecanismo oculto, não descrito pela Mecânica Quântica, que seria, portanto, uma teoria incompleta?

O problema foi reformulado em 1951 por David Bohm, usando neste caso medidas com espectro discreto, como o spin de duas partículas [2]. Foi sobre esta formulação que John Bell, em 1964, desenvolveu uma inequação que é necessariamente satisfeita por uma teoria de variáveis ocultas, mas poderia ser violada pela descrição quântica da natureza [3]. Temos agora um experimento que poderia, a princípio, confrontar diferentes interpretações do problema. Se fazer isso com o spin de partículas subatômicas era extremamente complexo, a implementação era realizável usando a polarização de fótons emitidos por átomos excitados. Foi assim que Stuart Freedman e John Clauser conseguiram fazer os primeiros testes em 1972 [4], em um experimento que levou 200 horas para adquirir a fotocontagem com estatística suficiente para demonstrar a violação de uma versão reformulada da desigualdade de Bell [5].
 
Graças ao uso de laseres, Alain Aspect e sua equipe conseguiram aumentar a taxa de emissão e conseguir uma estatística melhor. Isso permitiu ainda jogar com o experimento, decidindo aleatoriamente qual a orientação dos polarizadores. Fazendo isso de forma aleatória, descarta-se a possibilidade de que a orientação destes pudesse, por alguma ação misteriosa, afetar o estado de polarização da luz emitida pelos átomos, em experimentos feitos ao longo da década de 80 [6]. Mas a pequena distância entre eles não permitia descartar que os aparatos de medição se afetassem mutuamente.
 
Coube a Anton Zeilinger e seus colaboradores realizar esta medida em 1998, com aparatos separados por uma distância de 400 m, suficiente para que uma relação causal não pudesse ser estabelecida e as medidas fossem estritamente locais [7].
Estas correlações perfeitas garantidas pela Mecânica Quântica descartam assim as possibilidades de uma teoria de variáveis ocultas, bem como a ideia de uma interação remota entre os observadores. A resposta toda está no estado, em correlações perfeitas. A ideia parece contraintuitiva: se medidas perfeitas simultâneas de observáveis de um sistema que não comutam são impossíveis, por que medidas combinadas em sistemas distintos seriam permitidas? A resposta está na informação do estado. Cada sistema local está com a informação extremamente degradada, em troca de uma informação global partilhada. Esta partilha quântica de informação que caracteriza o emaranhamento está por trás das enormes possibilidades que a mecânica quântica oferece como Teoria de Informação, abrindo perspectivas para processar problemas de difícil solução por nossos atuais computadores clássicos, abrindo caminho para a Segunda Revolução Quântica.
 
Daí temos o Prêmio Nobel em Física de 2022, para Alain Aspect, John Clauser e Anton Zeilinger, “pelos experimentos com fótons emaranhados, estabelecendo a violação de desigualdades de Bell e inaugurando a ciência da informação quântica”.
 
Para saber mais, visite nobelprize.org/prizes/physics/2022
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[1] A. Einstein, B. Podolsky and N. Rosen, Phys. Rev. 47, 777 (1935).
[2] D. Bohm, Quantum Theory, Prentice-Hall, Englewood Cliffs, NJ (1951).
[3] J.S. Bell, Physics 1, 195 (1964).
[4] S.J. Freedman and J.F. Clauser, Phys. Rev. Lett. 28, 938 (1972).
[5] J.F. Clauser, M.A. Horne, A. Shimony and R.A. Holt, Phys. Rev. Lett. 23, 880 (1969).
[6] A.Aspect, P.Grangier and G.Roger,Phys.Rev.Lett. 47, 460 (1981), A.Aspect, P.Grangier and G.Roger,Phys.Rev.Lett. 49, 91 (1982), A. Aspect, J. Dalibard and G. Roger, Phys. Rev. Lett. 49, 1804 (1982).
[7] G. Weihs, T. Jennewein, C. Simon, H. Weinfurter and A. Zeilinger, Phys. Rev. Lett. 81, 5039 (1998).
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Imagem: Nobel.org, Divulgação
 

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