Trajetória profissional de ex-aluno do IFUSP

Da Assessoria de Comunicação do Instituto de Física da USP:

Ao olhar para o céu, desde os primórdios, o homem se pergunta sobre a origem de todas as coisas. 

No capítulo III do famoso livro "Confissões", Agostinho de Hipona (Santo Agostinho), um dos grandes teóricos e ícones da Igreja Católica vai se perguntar "Onde está Deus?". Suas inquietações o levam a afirmar que a Divindade estava presente em todas as coisas, tanto nas maiores, como nas menores. 

Na dita Antiguidade Clássica, o grande pensador grego Heráclito de Éfeso, que viveu por volta do ano 500, a.C, vai falar de um Logos (razão-discurso), que  reunirá as tensões dos opostos em uma ideia de unidade fundamental. Essa noção de unidade fundamental, subjacente à multiplicidade aparente das coisas, vai ser fundamental nos séculos seguintes para a construção de um pensamento científico.

No Observatório Europeu Austral (ESO), no Chile, Bruno Dias, um astrônomo brasileiro, ex-aluno do IFUSP, mira o telescópio para o céu também com grandes expectativas de encontrar explicações para algumas das inquietações que nos afligem desde os primórdios.  

Abaixo, uma entrevista concedida por Bruno por e-mail diretamente do observatório, no Chile:

   

Foto: Arquivo pessoal 

Bruno Moreira de Souza Dias (Bruno Dias)

Onde (local) você se criou? Onde estudou antes de entrar na USP? Conte um pouco sobre sua família, que formação tem/tinham seus pais? Fale um pouco sobre sua origem, formação inicial, etc.

R: Sou de São José dos Campos e estudei no colégio Olavo Bilac/Ayres de Moura, concluindo os estudos em 2003. Minha mãe é pedagoga aposentada e meu pai é empresário no ramo de confeitaria e buffet. Meus pais sempre priorizaram uma boa educação para mim e meus dois irmãos. Fizeram sacrifícios para pagar um bom colégio e os filhos conseguimos bolsa de estudos. Participei de olimpíadas de matemática, física e astronomia, e de clubes de ciência, ganhando medalhas a nível regional e nacional além de representar o Brasil no exterior. Minha cidade natal é polo científico e tecnológico, contando com o ITA e INPE, os quais tive a oportunidade de conhecer em detalhes naquela época. A formação sólida e as oportunidades que tive com o apoio da minha família foram os pilares da minha carreira de pesquisador, que começou em 2004 no Instituto de Física (IF) da Universidade de São Paulo (USP).

Como foi a decisão de prestar vestibular para USP? Por que Física?

R: Como muitos adolescentes que passam pela pressão de decidir sua vida com 18 anos ou menos, tive inúmeras conversas, discussões e aconselhamentos com minha família, professores e orientação vocacional. As opções estavam entre administração, engenharia e física/astronomia. Administração e engenharia foram opções baseadas nas minhas habilidades, mas eu não seria tão feliz seguindo esse caminho. Meu anseio por conhecimento da natureza e do Universo falou mais alto e decidi transformá-lo em carreira acadêmica. Desde o começo meu interesse era em Astrofísica, o que em 2004 significava fazer bacharelado em Física com habilitação em Astronomia. Durante o bacharelado em Física dediquei-me a projetos teóricos em relatividade restrita e também em física experimental e só tive mais certeza de que meu caminho era a Astrofísica, e então comecei a desenvolver projetos em 2005.

Como / por que foi a decisão / oportunidade de completar seus estudos no exterior? O que e onde você estudou? Há quanto tempo está no (país, local atual)?

R: Meu projeto de doutorado com a prof. Beatriz Barbuy, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) envolvia uma colaboração direta com o astrônomo Ivo Saviane do Observatório Europeu Austral (ESO, na sigla em inglês), no Chile. Apareceu a oportunidade de estágio de doutorado no ESO-Chile por um ano. Durante 2012 e 2013 trabalhei no ESO com meu projeto de doutorado, conheci muitos astrônomos e muitas portas foram abertas. Terminei o doutorado em 2014 com tese premiada pelo IAG e pela USP. Fiz um primeiro pós-doutorado na Universidade de Durham, na Inglaterra, no grupo do prof. Ray Sharples, líder do instrumento KMOS instalado nos telescópios do ESO. Novamente o ESO cruzou meu caminho e vi que as portas que abri antes deram resultados. Hoje sou fellow do ESO e lidero meus projetos de pesquisa, além de ser astrônomo de suporte dos telescópios terrestres mais poderosos do mundo.

No contexto dos seus estudos/trabalho no (local onde estuda/trabalha) como você avalia a formação obtida no IFUSP?

R: Se o colégio foi o pilar para decidir minha carreira, o bacharelado no IFUSP foi a base para construir minha carreira. Todo astrofísico é um físico por formação, especializado em temas de astronomia. Eu não poderia ter seguido adiante com a pós-graduação e pós-doutorado sem a física. Em particular, alguns conhecimentos específicos da graduação que aplico no meu trabalho atual direta ou indiretamente são: óptica, mecânica quântica, termodinâmica, eletromagnetismo, métodos de física experimental, além de estatística, programação, astrofísica estelar, galáctica e extragaláctica.

Quais são os principais temas de pesquisas/estudos que você está realizando atualmente? Onde?

R: Minha linha de pesquisa é sobre populações estelares e arqueologia galáctica. Em particular, estudo aglomerados de estrelas, que funcionam como fósseis para reconstruir a história da evolução química e dinâmica das galáxias às quais pertencem. No momento estou focado nos aglomerados da Via Láctea e das Nuvens de Magalhães. Existem dois cenários para a evolução dinâmica das Nuvens de Magalhães: o clássico diz que essas duas galáxias orbitam a Via Láctea e que as forças de maré entre as três galáxias foram responsáveis por formar as estruturas de gás e estrelas nas periferias das Nuvens. Um cenário moderno diz que as Nuvens estão em seu primeiro encontro com a Via Láctea e apenas as interações de maré entre as duas Nuvens é suficiente para criar as estruturas de gás e estrelas. Eu estudo os aglomerados de estrelas das Nuvens e com eles traço a composição química e construo um mapa 3D de sua distribuição tudo isso em função do tempo, o que torna possível mostrar a evolução dos efeitos das forças de maré. Esse projeto recebe o nome de VISCACHA e usamos o telescópio SOAR, fruto da parceria do CNPq com os americanos NOAO, UNC e MSU.

Há colaboração entre a instituição em que está atuando e a USP? Se sim, por favor, descreva.

R: Individualmente há muitos cientistas da USP e do ESO que desenvolvem colaborações em diversas áreas da Astrofísica. Em termos de projetos tecnológicos, o espectrógrafo CUBES é uma parceria entre ESO, IAG/USP e LNA/MCTIC. Este instrumento deveria ser instalado em um dos telescópios de 8.2m do observatório Paranal do ESO, no Chile. Este projeto é parte do acordo assinado entre Brasil e ESO em 2010 no qual o Brasil se tornaria o 16o país membro. O contrato foi aprovado pelo congresso e senado e aguarda ratificação do presidente da República.

Quais são os seus projetos para 2018? E na área em que você atua quais são as inovações que você consegue antever?

R: Em 2018 continuo a fellowship do ESO desenvolvendo meus projetos científicos e servindo a comunidade científica operando os telescópios do observatório Paranal. Em termos de inovação, sou um dos responsáveis por atualizar a linguagem de programação usada nos telescópios do Paranal para python. Os telescópios estão em operação há 20 anos, e apesar de haver manutenção diária e atualização dos sistemas e componentes usados, a base dos softwares e scripts usados nas operações ficariam obsoletos em alguns anos mais. Python é usado na NASA, será usado no maior telescópio do mundo (ELT) em construção pelo ESO, e muitos cientistas usam e desenvolvem ferramentas nessa linguagem. Esse movimento de inovação pertence a um contexto maior: os telescópios modernos produzirão terabytes de dados por noite e os desafios são armazenar, transferir e processar. É importante estar atualizado em programação para trabalhar de modo mais eficiente nessa nova era do big data.

Avaliando a sua experiência quais são as vantagens e desvantagens de trabalhar e realizar pesquisas no exterior?

R: No caso específico da Astrofísica, é crucial manter colaborações científicas internacionais e ganhar visibilidade e prestígio por trabalhos feitos rigorosamente e com impacto. Além disso, os telescópios atuais custam muito e são possíveis graças às colaborações intergovernamentais. Trabalhar no exterior abre portas tanto individualmente quanto para o Brasil. A desvantagem de trabalhar no exterior é pessoal, em outras palavras, a distância da família e amigos.

Pretende voltar para o Brasil? Por quê?

R: Como disse acima, minha presença no exterior abre portas e fortalece a carreira. Meu próximo passo é buscar uma posição permanente como pesquisador em uma universidade ou observatório. Se o Brasil oferecer um bom contrato eu voltaria. No momento mantenho colaborações com pesquisadores da USP e de várias outras universidades brasileiras e ofereço oportunidades para seus estudantes trabalharem comigo no exterior, ganhando experiência e abrindo portas.

     

Data Publicação: 
terça-feira, 16 Janeiro, 2018
Data de Término da Publicação da Notícia: 
quarta-feira, 28 Fevereiro, 2018

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