Um Nobel da paz entre nós

Um homem, um ativista, um Nobel da paz entre nós

Por: Carolina Modesto*

Ele veio passar as suas férias no Brasil, mas ainda assim estava trabalhando. Ele foi o convidado de honra do evento promovido em 27 de janeiro de 2016, pelo Instituto Ethos, InPACTO e outros parceiros, para discutir a questão do trabalho infantil e trabalho escravo. Ele é Kailash Satyarthi, ganhador do Premio Nobel da Paz 2014.

Eu tinha expectativas de escutá-lo de longe e, ainda assim, estaria imensamente feliz e grata por ter a oportunidade de vê-lo e, sobretudo, escutar a sua experiência e sabedoria. Foi quando veio o momento inesperado e, ao aguardar a permissão de entrada para o auditório, o vejo passar entre as pessoas e, de repente, o vejo passar ao meu lado. Com as mãos unidas e em posição de reverência, o saúdo com um caloroso “Namastê”. Ele pára. Com uma feição de surpresa e felicidade, responde a saudação da mesma forma e com um sorriso generoso e espontâneo toca a minha mão com um aperto suave.

Meu coração dispara. Fico emocionada por algum tempo que não sei exatamente quanto foi. Fomos para o auditório e quando as exposições têm início tivemos, aproximadamente, três horas de mesas de diálogos sobre a “promoção e defesa dos direitos humanos - Brasil em foco” e também sobre “saberes e práticas de direitos humanos no Brasil e no Mundo”. Estiveram presentes os profissionais que estão na linha de frente da questão no nosso país. Pessoas que tem amor pela causa e que trabalham por melhorias e evoluções. Pessoas que lutam para “dar luz” a uma questão ainda obscura e que representam instituições como Ministério Público, Organização Internacional do Trabalho, Tribunal Superior do Trabalho, Sebrae, Ministério do Desenvolvimento Social, Inpacto e Instituto Ethos. E claro, Sr. Kailash ficou com a fala final para nos brindar com a sua experiência de vida que praticamente se confunde com a sua história de ativismo contra o trabalho infantil.

“Dear sisters and brothers” (“Queridos irmãs e irmãos”), assim ele inicia a sua fala olhando e reconhecendo todo o público presente. “Dear sisters and brothers”, assim ele reforça e quebra as formalidades típicas de encontros com autoridades, reconhecendo os seres humanos presentes naquele espaço. Sempre com um sorriso no rosto, Kailash agradece a todos e, humildemente, afirma que o prêmio Nobel que ganhou foi um reconhecimento para todos que lutaram com ele. Todas as instituições envolvidas, governos, amigos e líderes que foram fundamentais para que ele tivesse a força necessária.

Ele segue sua fala apontando os três ingredientes contra o trabalho infantil e escravo: o primeiro deles diz respeito à intenção genuína em ajudar; em seguida, políticas fortes e efetivas e, por fim, integração dos organismos privados e públicos com a sociedade civil. “Economia não é a linha de chegada”, afirma. “Compaixão é o que une tudo”, complementa. Kailash chama a atenção para que os negócios sejam feitos com inteligência compassiva (“Business with compassionate intelligence”), não somente visando o lucro. Também destaca a necessidade dos consumidores de terem discernimento e critérios na hora das compras para forçar as empresas a negar qualquer envolvimento ou financiamento ligado ao trabalho infantil e escravo em suas cadeias produtivas. Somente dessa maneira, podemos falar em negócios sustentáveis.

Ele aponta que ainda existem 150 milhões de crianças vítimas de uma ou outra forma de trabalho infantil no mundo. Destes, mais de dois terços estão presos em regime de escravidão, trabalho forçado, prostituição, trabalhos perigosos em fazendas, fábricas, minas e até mesmo dentro de casa. “Não é somente pobreza. Estamos falando de negar dignidade humana e liberdade a essas crianças”, defende em tom de alerta e conscientização.

Ao longo de sua explanação, Kailash transmite muita espiritualidade, confiança, sabedoria e muita força. Tudo isso envolto em sua característica simpatia e simplicidade. Inspira e fortalece a todos dizendo que ele nunca acredita em problemas; mas, acredita fortemente, em soluções. Faz ainda um chamado para a importância do esforço coletivo. “Temos que globalizar a compaixão” e complementa dizendo que todas as crianças brasileiras também são as suas crianças. Essa é essência da compaixão que Kailash tanto quer nos transmitir. Finalmente, encerra a sua fala compartilhando e divulgando a ideia de uma campanha que pretende organizar e lançar chamada “One hundred million for one hundred million” (“Cem milhões por cem milhões”), a qual pretende engajar e reunir cem milhões de jovens líderes para libertar cem milhões de crianças do trabalho infantil.

Descrever a alegria, honra e emoção de vê-lo e escutá-lo de tão perto ainda não é possível. Demorei um pouco para absorver e refletir sobre tudo o que acabara de aprender e viver. O senso de realidade voltou quando nos preparávamos para ir embora e avistamos Kailash no saguão tirando fotos com algumas pessoas que o admiravam e o esperavam ansiosamente na saída. Após uma rápida troca de olhares entre amigas, entramos na fila da foto. Tiramos nossas fotos individuais (com ele sempre sorridente) e terminamos aquele momento especial com ele dizendo “Agora deixa que eu tiro uma selfie”. Surpresas do início ao fim. Um Nobel da paz estava entre nós.

 

*Carolina Modesto é Relações Públicas formada pela ECA∕USP e atualmente é responsável pela comunicação institucional da empresa Communità Socioambiental. Também atua como professora voluntária na ONG Cidadão Pró-Mundo e é uma das brasileiras selecionadas pelo programa de pós-graduação Endeavour 2016 do governo Australiano. Contato: carolina.aptmodesto@gmail.com

Data Publicação: 
quinta-feira, 28 Janeiro, 2016
Data de Término da Publicação da Notícia: 
segunda-feira, 29 Fevereiro, 2016

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