O Prêmio Nobel 2016 e a Relação entre Física e Matemática

“O Prêmio Nobel 2016 e a Relação entre Física e Matemática"

O prêmio Nobel deste ano foi concedido aos cientistas D. J. Thouless, F. D. M. Haldane e J. M. Kosterlitz “for theoretical discoveries of topological phase transitions and topological phases of matter”. Em uma descrição mais detalhada para justificar o prêmio, destaca-se que eles usaram métodos matemáticos oriundos da topologia para descrever e entender estes tais estados topológicos da matéria. Além de serem responsáveis por novos fenômenos, os estados topológicos seriam também relevantes para a realização em laboratório de um computador quântico. Mas afinal, o que é um “estado topológico”?

Todos nós sabemos que um mesmo sistema físico pode apresentar múltiplos estados. Talvez o exemplo mais simples seja a água e seus estados sólido, líquido e gasoso. Há muito mais exemplos, é claro. De uma maneira simplificada podemos dizer que a Teoria de Landau para entender os diversos estados (fases) e suas transições é baseada no fato de que basta examinar uma pequena região do sistema em questão para sabermos em que estado ele se encontra. No jargão da área, dizemos que existe um parâmetro de ordem local que diferencia os múltiplos estados. A novidade dos estados topológicos é que não existe parâmetro de ordem local. Estados distintos parecem idênticos quando examinados localmente. Somente observáveis globais podem identificar estes estados. Trata-se de um efeito quântico que, na sua versão mais simples, é derivado do emaranhamento entre os graus de liberdade espalhados por todo o sistema.

Estados topológicos existem na natureza. Os exemplos mais estudados são o efeito Hall quântico e os isolantes topológicos. Temos hoje uma coleção considerável de exemplos. Quantos mais iremos encontrar? Esta é uma pergunta teórica muito relevante. Ao tentarmos entender quais são todos os tipos de estados topológicos que podem existir, nos deparamos com um problema que exige um entendimento mais profundo de topologia e áreas correlatas da matemática. É um problema que toca não somente os limites da física mas também da própria matemática. Nas décadas de 70 e 80, o trabalho pioneiro de Thouless, Haldane e Kosterlitz foi inovador ao usar conceitos de topologia de maneira crucial para descrever e entender os novos fenômenos. Neste meio tempo, outras áreas da matemática tais como a teoria das representações e a teoria das categorias, vêm desempenhando um papel cada vez mais relevante. Ainda estamos muito longe de um entendimento abrangente do fenômeno. Os desafios são muitos. Novas ideias, tanto na física quanto na matemática, são necessárias para o progresso desta área. Este é um exemplo da relação estreita entre física e matemática e de como o progresso de ambas as disciplinas estão entrelaçados.

Vou terminar citando um texto de Dirac escrito em 1931 que ilustra bem a relação entre física e matemática mencionada neste artigo.

“The steady progress of physics requires for its theoretical formulation a mathematics which get continually more advanced. This is only natural and to be expected. What however was not expected by the scientific workers of the last century [sec. XIX] was the particular form that the line of advancement of mathematics would take, namely it was expected that mathematics would get more and more complicated, but would rest on a permanent basis of axioms and definitions, while actually the modern BIFUSP 2. physical developments have required a mathematics that continually shifts its foundation and gets more abstract. Non-euclidean geometry and noncommutative algebra, which were at one time considered to be purely fictions of the mind and pastimes of logical thinkers, have now been found to be very necessary for the description of general facts of the physical world. It seems likely that this process of increasing abstraction will continue in the future and the advance in physics is to be associated with continual modification and generalisation of the axioms at the base of mathematics rather than with a logical development of any one mathematical scheme on a fixed foundation.” Trecho do artigo sobre monopolos magnéticos (1931).

Autor do texto: Professor Doutor Paulo Teotonio Sobrinho - Departamento de Física Matemática do IFUSP

Fonte da notícia: BIFUSP nº. 29 - 07/10/2016

 

Desenvolvido por IFUSP