Artigo publicado na Revista Nature Communications

Quando uma floresta tropical intocada encontra uma nuvem de poluição

Utilizando a cidade de Manaus e a floresta Amazônica como um laboratório, cientistas mostraram que emissões de poluição provocam grandes mudanças na formação de aerossóis orgânicos secundários naturais, o que tem importantes efeitos climáticos. 

Imagem: ilustração sobre os efeitos da poluição na formação de aerossóis orgânicos secundários naturais.

 

As questões científicas

O que acontece com uma floresta tropical quando sua atmosfera muito limpa recebe a poluição urbana de uma cidade? Isso modifica a fotossíntese, propriedades de nuvens e chuva?  

Um dos aspectos menos conhecidos da complexa química atmosférica é como as emissões urbanas influenciam a formação de aerossóis orgânicos secundários (SOA) biogênicos naturais. Essas partículas contendo carbono são produtos da oxidação de grandes quantidades de compostos orgânicos voláteis (COVs) emitidos pelas florestas. Como as atividades humanas já modificaram significativamente a atmosfera de quase todas as regiões continentais, é difícil conhecer quais seriam os níveis de SOA biogênicos naturais, isto é, na ausência de influência humana. O experimento GoAmazon estudou esta questão em detalhes tanto do ponto de vista experimental quanto utilizando modelagem numérica da atmosfera. Buscou-se entender a transição, na floresta amazônica, entre as condições primitivas que representam os tempos pré-industriais e as condições poluídas impactadas pelas emissões urbanas. Foi observado que o óxido de nitrogênio (NOx) emitido por Manaus, uma cidade de 2 milhões de pessoas no meio da floresta amazônica, aumentou a produção biogênica de SOA em até 400%. Em locais da floresta não afetados pela pluma urbana, as emissões naturais de NOx do solo da floresta tem impactos muito menores. O grande aumento de NOx sob influência da pluma de poluição aumentou os oxidantes (radicais hidroxila (OH-)  e ozônio) que promoveram a conversão gás-partícula de COVs emitidos pela floresta, aumentando a formação de SOA biogênico. O aumento na formação de SOA biogênico dentro da Amazônia é muito maior do que foi observado e relatado na maioria dos locais em todo o mundo.

Como foi feito

Foram utilizadas medidas em aviões do Departamento de Energia dos Estados Unidos (US-DoE), medidas em superfície, e um programa de computador que simula a química da atmosfera em escala regional para interpretar as medidas experimentais à luz da meteorologia e dos complexos processos químicos. Foram desenvolvidos no laboratório do PNNL (Pacific Northwest National Laboratory) novos módulos que calculam a cinética química do modelo WRF-Chem que tiveram sucesso na simulação da dispersão da pluma de poluição e na produção extra de aerossóis pela interação poluição-emissões biogênicas naturais da floresta.

O impacto

O processo de urbanização na Amazonia e em outras regiões de florestas tropicais na África e Sudoeste da Ásia, altera totalmente a produção de aerossóis em mais de 400%, que por sua vez influenciam na formação de nuvens e no balanço radiativo. Na Amazônia, o aerossol orgânico responde por 75 a 85% da massa do aerossol, e um aumento ainda maior na quantidade de aerossóis tem fortes impactos no ecossistema.  Estas partículas são importantes para a convecção, para a formação e desenvolvimento de nuvens, e para o balanço radiativo. Influenciam também fortemente a fotossíntese, que depende da razão de radiação direta/difusa para a fixação de carbono pelo ecossistema. O aumento na formação de SOA biogênico na Amazônia foi muito maior do que outras observações relatadas em florestas em outras regiões.

Trabalho internacional em equipe:

Um trabalho como este demonstra a importância do investimento em ciência, que é capaz de dar respostas que a sociedade necessita, tais como as consequências do processo de urbanização na Amazônia. Políticas públicas baseadas em ciência sólida são fundamentais para orientar o desenvolvimento da Amazônia. Este trabalho mostra também a grande importância das colaborações internacionais na produção de ciência de alto nível... O artigo é assinado por 36 autores, sendo 9 brasileiros Paulo Artaxo (USP), Henrique M. J. Barbosa (USP), Joel Brito (USP), Eliane Gomes Alves (UEA), Helber Gomes (UFAL), Adan Medeiros (UEA/INPA), Suzane S. de Sá (Harvard), Rodrigo F. Souza (UEA), e Rita Ynoue (USP).

Contatos: 

Autor Principal: ManishKumar Shrivastava - Pacific Northwest National Laboratory, manishkumar.shrivastava@pnnl.gov.

Participantes do experimento GoAmazon: Prof. Paulo Artaxo – Instituto de Física da USP, artaxo@if.usp.br

Prof. Henrique Barbosa, Instituto de Física da USP - hbarbosa@if.usp.br

Financiamento:

O Projeto GoAmazon foi parcialmente financiado pela FAPESP, através dos Projetos Temáticos 2013/05014-0 e 2017/17047-0.

Dados completos do artigo, de livre acesso:

Manish Shrivastava, Meinrat O. Andreae, Paulo Artaxo, Henrique M J Barbosa, Larry Berg, Joel Brito, Joseph Ching, Richard C Easter, Jiwen Fan, Jerome D Fast, Zhe Feng, Jose D Fuentes, Marianne Glasius, Allen H. Goldstein, Helber B. Gomes, Dasa Gu, Alex B. Guenther, Shantanu H. Jathar, Saewung Kim, Ying Liu, Sijia Lou, Scot T Martin, V. Faye McNeill, Adan Medeiros, Suzane S de Sá, John E Shilling, Stephen R Springston, Rodrigo A. F. Souza, Joel A Thornton, Gabriel Isaacman-VanWertz, Lindsay D. Yee, Rita ynoue, Rahul A Zaveri, Alla Zelenyuk, Chun Zhao. Urban pollution greatly enhances formation of natural aerosols over the Amazon rainforest. Nature Communications,  Vol. 10, number: 1, pg. 1046, https://doi.org/10.1038/s41467-019-08909-4 , https://www.nature.com/articles/s41467-019-08909-4 .  Março de 2019.

 

 

 

 

Data Publicação: 
sexta-feira, 8 Março, 2019
Data de Término da Publicação da Notícia: 
domingo, 30 Junho, 2019

Desenvolvido por IFUSP