O Prêmio Nobel de Física de 2020 - Por Raul Abramo

O Prêmio Nobel de Física de 2020, anunciado em 6 de Outubro, foi dado para três cientistas que fizeram descobertas fundamentais relacionadas com buracos negros.

 
A existência de buracos negros era uma possibilidade quase acadêmica desde o final do Século XVIII, quando o astrônomo Jonh Mitchell e o matemático Pierre-Simon Laplace conceberam (independentemente um do outro) a idéia de uma “estrela negra”, cuja massa era tão grande e tão concentrada que nem a luz seria capaz de escapar. Os buracos negros voltaram com força na Física do começo do Século XX quando Einstein propôs a sua Teoria da Relatividade Geral (1915), e logo em seguida o matemático russo Karl Schwarzschild encontrou (1916) uma solução exata das equações de Einstein que aponta para a existência de buracos negros na Relatividade Geral.
 
Porém, durante muitas décadas os buracos negros permaneceram como uma noção mais acadêmica: não era claro que o nosso universo de fato jamais formaria um desses objetos. A questão de detectar a existência de buracos negros em observações era ainda mais reservada à literatura de ficção científica.
 
Isso tudo começou a mudar quando o físico, matemático e filósofo da Universidade de Oxford, Sir Robert Penrose, em 1965, demonstrou a inevitabilidade da formação de um buraco negro a partir de uma distribuição “normal" de matéria. A maneira como Penrose mostrou esse resultado foi extremamente engenhosa e elegante, por meio do uso da noção dos cones de luz e sua extensão em termos de “superfícies aprisionadas” (“trapped surfaces”). Esses trabalhos mostraram ao mundo que buracos negros não eram apenas uma possibilidade: eram inevitáveis. Por essa descoberta Penrose recebeu metade do prêmio Nobel de Física de 2020.
 
Porém, o fato de buracos negros terem de existir aumentou ainda mais a necessidade de encontrar sinais inequívocos da sua presença no universo. Era sabido que um dos lugares mais promissores para se encontrar um buraco negro deveria ser o centro das galáxias — e a nossa Via Lactea, pela proximidade, seria uma candidata ideal. Entretanto, a nossa visão do centro da Via Láctea (na constelação de Sagitário) é dificultada por diversos fatores, como o excesso de estrelas naquela região e a imensa distância (26.000 anos-luz) até nós.
 
Isso começou a mudar quando, nos anos 90 do século passado, Reinhard Genzel e Andrea Ghez descobriram como utilizar as novas tecnologias e instrumentos recém-instalados nos melhores telescópios do mundo, para conseguir isolar as estrelas na região mais central da nossa galáxia. Ao longo de mais de uma década os times de astrônomos liderados por Genzel (nos telescópios europeus VLT) e Ghez (nos telescópios americanos Keck) seguiram as trajetórias de dezenas de estrelas que pareciam orbitar a região mais central da Via Lactea. Com o tempo essas trajetórias foram sendo compreendidas como sendo órbitas em torno de um ponto cuja massa hoje sabemos ser de mais de 4 milhões de vezes a massa do Sol. Além disso, as observações indicavam que essa massa estava toda concentrada em uma região totalmente escura, da qual não vinha praticamente nenhuma luz. Um video das trajetórias dessas estrelas pode ser visto no link: https://www.youtube.com/watch?v=duoHtJpo4GY&feature=emb_logo
 
Por essa descoberta incrível, que aponta a existência de um buraco negro supermassivo na nossa própria galáxia, Genzel e Ghez levaram a outra metade do Prêmio Nobel de Física de 2020. Essa descoberta abriu o caminho para muitas outras observações que confirmaram a existência de buracos negros em outras galáxias, cujo exemplo mais espetacular veio em 2019 com a observação direta, feita pelo Event Horizon Telescope, do disco de matéria em torno do buraco negro da galáxia M87 — um gigante de mais de 6 bilhões de massas solares. Numa outra ponta, o telescópio LIGO detectou sinais de várias colisões de buracos negros de dezenas de massas solares em galáxias distantes.
 

O prêmio Nobel deste ano mostrou que o mistério dos buracos negros está mais próximo de ser desvendado, e confirma que esses objetos continuam tão fascinantes quanto sempre foram.

 


Ilustração: Ill. Niklas Elmehed. © Nobel Media.

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