Transporte térmico no laboratório LQMEC: fronteira de investigação em materiais quânticos

Conheça os mais recentes trabalhos do grupo da pesquisadora Valentina Martelli do Laboratory for Quantum Matter under Extreme Conditions (LQMEC), por meio de publicação no News&Views da Nature Physics e o mais recente artigo para o New Physics:Sae Mulli.
Por: Valentina Martelli.
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Experimentos de transporte térmicos sob condições extremas estão se tornando relevantes no contexto da investigação de materiais quânticos, para revelar tanto estados isolantes quanto condutores de baixa energia. De forma geral, através do transporte térmico pode-se explorar diversos fenômenos quânticos que são gerados quando um material não se encontra na sua totalidade em condições de equilíbrio térmico (à mesma temperatura), ou seja, está sujeito a um gradiente de temperatura. Nesta condição, pode-se analisar não apenas como o fluxo de calor é transportado (condutividade térmica) e influenciado por fatores externos, mas também como pode levar a indução de uma corrente elétrica (termoeletricidade) em materiais condutores. Ainda mais exótico, um gradiente de temperatura transversal pode se detectar na presença de um campo magnético externo - Efeito Hall Térmico. No artigo News & Views, publicado recentemente na Nature Physics, a Profª. Drª. Valentina Martelli comenta sobre uma recente descoberta de Efeito Hall Térmico e desafios teóricos e experimentais que ainda estão em aberto para explicar esta propriedade, que podem até revelar assinaturas de excitações exóticas, tais como os férmions de Majorana. 

O estudo do transporte térmico em materiais quânticos é um dos pilares da investigação experimental que o grupo da pesquisadora Valentina Martelli desenvolve no laboratório LQMEC (Laboratory for Quantum Matter under Extreme Conditions), co-fundado em 2021 no Instituto de Física em colaboração com o Prof. Julio Larrea, também líder de um grupo focado na pesquisa de matéria quântica correlacionada em condições extremas. No caso particular, o grupo da Profª Martelli estuda como fenômenos de fluxo de calor e carga se manifestam em algumas classes de materiais quânticos, como isolantes topológicos, sistemas eletrônicos fortemente correlacionados e óxidos complexos. O desenvolvimento de plataformas de transporte térmico sob condições extremas (temperatura, campo magnético, campo elétrico, filmes finos) envolve vários desafios experimentais. O LQMEC é o primeiro laboratório no Brasil a realizar estes tipos de experimentos sob múltiplas condições extremas em setups não-comerciais, projetados no laboratório e fabricados sob medida na oficina mecânica do IFUSP.  
 
Os primeiros resultados da pesquisa foram publicados recentemente na revista New Physics: Sae Mulli que reporta o trabalho do doutorando Alexandre Henriques da Silva sob orientação de Martelli (LQMEC – IFUSP). O trabalho é resultado de uma colaboração nacional e internacional com pesquisadores dos EUA e Alemanha, reportando pela primeira vez parâmetros térmicos de policristais da perovskita BaBiO3  e encontrando evidências de transporte térmico a baixas temperaturas que se assemelha a materiais sem um arranjo ordenado de átomos (amorfos). 
 
O óxido complexo BaBiO3 (BBO) recebeu bastante atenção desde que foi sintetizado pela primeira vez em meados da década de 1960. De um ponto de vista teórico, este material deveria ser um metal tendo em vista um estado de oxidação esperado de 4+ no átomo de bismuto. Entretanto, experimentalmente observa-se um comportamento semicondutor/isolante. Um intenso debate se formou nos anos seguintes atrás de uma explicação para o mecanismo que geraria este caráter não-metálico, culminando em outra descoberta extremamente interessante: ao ser dopado por elementos tipo p+ como K ou Pb, BBO torna-se um supercondutor de alta temperatura com Tc ~ 30 K, sendo um dos primeiros a serem descobertos que não pertence à família dos cupratos. Desde então, os principais mecanismos propostos têm sido i) desproporção de carga entre Bi3+ e Bi5+ (o que levaria a uma fórmula química mais acurada Ba2Bi3+Bi5+O6) ou ii) hibridização dos orbitais Bi 6s e O 2p.
 
Ambos os mecanismos citados introduziriam distorções na rede cristalina do BaBiO3, simultaneamente breathing e tilting. Tais distorções são observadas experimentalmente com, por exemplo, difração de raios-X (XRD) e espectroscopia Raman, e caracterizam-se como expansões/contrações dos sucessivos octaedros de oxigênio (breathing) e inclinação destes em relação a um de seus eixos de simetria (tilting). É interessante notar que experimentos de transporte térmico neste material são praticamente inexistentes na literatura acadêmica, ainda que a intersecção entre distorção na rede, condução térmica mediada por vibrações coletivas da rede (fônons) e configuração eletrônica tenha muito o que agregar na discussão científica deste composto.
 

Agradecimentos: Os autores agradecem o financiamento de FAPESP processos num. 2018/19420-3, 2022/01742-0, 2021/00625-7, 2022/03262-5, 2018/08845-3; CNPq: 310065/2021-6, 402919/2021-1 e UGPN (2020).

Acesse na íntegra os artigos:
-> “Phonons bend to magnetic fields" (News&Views)
-> “Thermal Conductivity of Barium Bismuthate at Low Temperatures”


 

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