Qualificação do problema

O objetivo científico da Física de Partículas é o estudo dos constituintes da  matéria e suas interações em seu nível mais fundamental. Este campo tem experimentado um enorme avanço desde as descobertas dos constituintes do átomo no início do século XX, culminando recentemente com a descoberta do bóson de Higgs no CERN em 2012. O progresso experimental sustentou a construção e consolidação do que é hoje o bem sucedido Modelo Padrão da Física de Partículas, que descreve as interações de todas as partículas elementares conhecidas.
 
No entanto, existem muitas perguntas ainda sem resposta. Por que há três gerações de férmions? Quais são as propriedades do bóson de Higgs e qual a origem do valor da escala das interações fracas à qual todas as massas das partículas estão associadas? Por que os férmions têm massas tão vastamente diferentes? Qual é a origem da massa dos neutrinos? Sabemos que a maior parte da matéria no universo é matéria escura, no entanto o Modelo Padrão não contém nenhum mecanismo  para explicá-la. Como é o comportamento da matéria hadrônica sob condições extremas de temperatura e de densidade? Como descrever a transição de quarks e glúons para hádrons? Qual é a origem da assimetria matéria-antimatéria no Universo? As respostas a algumas destas questões podem exigir uma extensão do Modelo Padrão para incluir novas partículas, novas interações e até mesmo novos princípios físicos ou novas simetrias fundamentais.
 
Com o intuito de responder parcialmente estas questões foi construído o Large Hadron Collider ( LHC ) no CERN, um colisor de partículas (entre prótons e entre íons) que iniciou a operação em 2009. Para a detecção das partículas produzidas nas colisões, foram instalados quatro grandes detectores : ALICE, ATLAS, CMS e LHCb. O ALICE foi concebido para explorar comportamento da matéria hadrônica sob condições extremas de temperatura e de densidade, usando para isso colisões  entre íons pesados relativísticos. O ATLAS e o CMS, responsáveis pela descoberta e investigação das principais características do bóson de Higgs, tem também como um dos principais objetivos a busca de novos fenômenos físicos não previstos no Modelo Padrão, tentando encontrar respostas para as perguntas acima. Finalmente o LHCb tem como principal objetivo o estudo de fenômenos relacionados à violação conjunta das simetrias de conjugação de carga e paridade (simetrias de CP), um dos principais ingredientes na compreensão de uma dos maiores enigmas da natureza, que é a enorme assimetria entre a quantidade de matéria e de antimatéria no Universo. Este mesmo tema é abordado de forma completamente diferente pela colaboração Alpha, que agrupa antiprótons com anti-elétrons de baixíssima energia, formando um átomo de anti-hidrogênio, e comparando as suas propriedades com o bem conhecido átomo de hidrogênio.
 
O Brasil participa dos quatro detectores do LHC e do Alpha. Da mesma maneira que os milhares de pesquisadores espalhados pelo mundo, os nossos grupos colaboraram  em todas as fases do desenvolvimentos destes experimentos: desde o projeto, construção, operação até a análises dos dados. No momento, o LHC está iniciando uma nova tomada de dados, a terceira desde o seu início em 2009. A cada nova rodada, são feitos aprimoramentos tanto no acelerador como nos detectores. Estes aprimoramentos podem ir desde ajustes em alguns dos sub-detectores até a completa substituição do mesmo, em um processo feito fases e denominado upgrade. Isto implica um desenvolvimento contínuo tanto do hardware dos subsistemas para a detecção de  partículas, como no software e no sistema de seleção de eventos (trigger). O objetivo final é aumentar a eficiência de detecção, a precisão com que os observáveis são medidos associados a um aumento da capacidade de coletar dados. Em 2029, o LHC entrará em uma nova fase de operação, o High Luminosity LHC ou HL-LHC. Será nesta fase que 90% dos dados esperados para o tempo de vida do LHC serão coletados. Isso se dará, entretanto,  sob condições desafiadoras, onde mais de 200 colisões simultâneas por cruzamento de feixe de prótons ocorrerão a cada 25ns. Neste momento, mesmo enquanto em plena campanha de tomada de dados, todos os experimentos do LHC estão empenhados na adaptação de seus detectores para operar no HL-LHC.
 
Todos os experimentos do LHC utilizam uma combinação de tecnologias em seus subsistemas de detecção: sensores semicondutores, detectores a gás, cintiladores, eletrônica associada (aquisição e processamento de sinais), seleção de eventos e computação de alto desempenho.  
 
Na área de sensores semicondutores para a medidas de momento, tempo e posição das partículas, os desafios apresentados pelos experimentos do LHC motivaram um intenso programa de pesquisa e desenvolvimento, buscando a fabricação de dispositivos cada vez menores, mais rápidos e mais resistentes à radiação cobrindo áreas que chegam a dezenas de metros . 
 
Detectores de radiação por ionização em meios gasosos também obtiveram uma importante evolução, permitindo o desenvolvimento de detectores com excelente resolução espacial e capacidade de medida com altas taxas de registros de eventos, além de poderem ser construídos com grandes áreas sensíveis, maior estabilidade operacional e maior resistência à radiação.
 
Cintiladores são detectores compostos por materiais capazes de emitir luz por excitação atômica quando da passagem de partículas ionizantes, seguido de um estágio de foto-conversão. Esta tecnologia permite a construção de detectores leves, de grandes áreas, com resoluções espaciais comparáveis a sensores semicondutores e custo relativamente baixo. 
 
Os sinais gerados pelos sensores de radiação ionizante necessitam de sistemas eletrônicos avançados (alta densidade de canais, alta velocidade e linearidade de resposta) para leitura e processamento desses sinais. Esses sistemas podem ser baseadas em tecnologias embarcadas, como FPGAs, Systems-on-a-Chip, microcontroladores e transceptores de alta velocidade, cujo desenvolvimento requer sua integração com o sistema de aquisição de dados do experimento e o desenvolvimento de firmware para a operação específica. Além desses sistemas embarcados, há a necessidade de se projetar e fabricar componentes de novos dispositivos na vanguarda da tecnologia atual, como ASICs (Application Specific Integrated Circuits) de alta taxa de leitura projetados para operar em ambientes com alta taxa de radiação. 
 
Os sinais digitalizados  pela eletrônica geram uma quantidade enorme de dados que precisam ser processados a fim de se obter as informações físicas desejadas. Para cumprir esse objetivo, tecnologias de processamento de dados cada vez mais avançadas precisam ser utilizadas nos experimentos do LHC. As plataformas de computação em nuvem, por exemplo, estão se tornando um facilitador cada vez mais importante nos mercados emergentes e de alto crescimento de High Performance Computing (HPC), Big Data, Inteligência Artificial (IA) e outros aplicativos de análise de dados distribuídos. Em particular, à medida que os aplicativos de Big Science crescem em complexidade, com a adição de novas técnicas de IA a uma ampla gama de simulações científicas, a capacidade de instanciar facilmente uma imagem ou contêiner de máquina virtual pré-configurada em uma infraestrutura baseada em nuvem oferece ao pesquisador a oportunidade de trabalhar com um ambiente de processamento muito mais flexível e de menor custo.