BIFUSP Entrevista Valentina Martelli

Contemplada na “7ª chamada pública de apoio à ciência” do Instituto Serrapilheira, a docente Valentina Martelli fala de seu novo projeto e de sua trajetória no IFUSP, liderando o desenvolvimento de uma das mais novas linhas de pesquisa do Instituto. 

[Edit 10/10 - este conteúdo foi atualizado]
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Uma coisa puxa a outra. Quando questionada sobre os trabalhos do novo projeto contemplado pelo edital do Serrapilheira, a pesquisadora Valentina Martelli (FEP - IFUSP) recorda o caminho trilhado até aqui e é enfática sobre como o prêmio de agora não seria possível sem o "JP" (Auxílio à Pesquisa Jovem Pesquisador FAPESP) recebido anteriormente. 

O auxílio JP foi fundamental para financiar parcialmente a infraestrutura laboratorial que hoje nos permite realizar a investigação de propriedades físicas – no meu grupo, especificamente de transporte térmico - sob condições específicas de baixas temperaturas, altos campos magnéticos e elétricos. Tentamos responder algumas perguntas fundamentais em aberto em materiais quânticos selecionados através da observação de como a aplicação dessas condições afeta o comportamento das propriedades de transporte, revelando informações sobre as interações microscópicas - explica a docente.

Sobre a estrutura do laboratório onde a pesquisa é desenvolvida, um dos aspectos destacados pela professora é o sistema criogênico que não depende de hélio líquido, material cuja escassez afeta diversos grupos de pesquisa no mundo. Essa independência do hélio permite aos grupos de pesquisa que ali atuam uma autonomia de trabalho, sem se preocupar com a variação de preços ou procedimentos de importação. “A gente tem um sistema de circuito fechado, o que nos permite dar uma garantia de continuidade aos estudantes e aos projetos sem depender desse insumo que é muito caro e, às vezes, não tem mesmo”. A infraestrutura disponível vai além da parte criogênica, sendo também fundamental o conjunto de instrumentação eletrônica e de preparação dos experimentos. Agora, com o laboratório em completo funcionamento há mais de um ano, revela-se uma real perspectiva de continuidade nos projetos, e o auxílio do Serrapilheira vem fortalecer esse horizonte. 

O novo projeto vai complementar a linha de pesquisa da Profª Martelli, incluindo uma nova frente de investigação. Explica Martelli: “Meu grupo já trabalha com transporte térmico e termoelétrico. A investigação do transporte térmico em condições extremas nos revela informações sobre mecanismos microscópicos do material. A gente realiza esses experimentos usando setup experimentais que a gente mesmo desenvolve no laboratório. A proposta ao grant Serrapilheira visa estudar uma propriedade muito específica de transporte térmico, o thermal Hall effect - efeito Hall térmico. Esse efeito é o equivalente térmico do efeito Hall que se observa em materiais com condução elétrica: um fluxo de cargas (positivas ou negativas) podem desviar o próprio caminho quando é aplicado um campo magnético perpendicular ao mesmo fluxo. As cargas, assim, dão origem a um potencial elétrico transversal (efeito Hall) devido à força de Lorentz. Isso pode ser estudado experimentalmente para determinar a quantidade de portadores elétricos, sua carga, e outros efeitos mais exóticos. Quando estudamos materiais isolantes, os principais responsáveis pela condução do calor são os fônons, que são “quase-partículas” que correspondem à nossa representação de vibrações quantizadas da rede cristalina. Tais fônons não possuem carga e spin, portanto, em princípio, observar a deviação deles em presença de campo magnético não era esperado com efeito significativo. Porém, isso se observa experimentalmente, sim: o material apresenta um lado mais quente que o outro (transversal ao fluxo de calor), ou seja, os fônons se acumulam em um dos lados, e a origem deste efeito ainda não é entendida. O interesse na comunidade é também justificado pela possibilidade de observar, com essa propriedade, outras excitações exóticas (ex. férmions de Majorana). Atualmente, há um grande debate sobre a origem desse efeito em isolantes, especialmente aqueles sem nenhuma razão clara que justifique o efeito. Neste projeto, tentaremos investigar as causas mínimas à base do efeito Hall térmico”.

Italiana, a pesquisadora não se preocupa ao propor, aqui, empreendimentos de médio e longo prazo: está bastante adaptada ao país e à cidade. Tendo vindo ao Brasil na última chamada do Ciência sem Fronteiras, trabalhou no CBPF antes de se mudar para São Paulo, ainda sem emprego. Ao entrar na USP, sentiu-se bastante acolhida, tanto no aspecto pessoal quanto profissional. Apesar das adversidades comuns à carreira científica, ela crê que a cidade oferece condições favoráveis para um pesquisador se desenvolver. Além disso, encontra aqui muitas similaridades culturais com sua formação na Itália.

Especificamente sobre o IFUSP, a pesquisadora destaca o apoio recebido do Departamento de Física Experimental, desde a gestão da Profª Ivone Albuquerque - responsável pelo convite para integrar o departamento - até a gestão atual, do Prof. Marcelo Martinelli, quem considera sempre ativo para resolver problemas e defender os interesses de produção científica como um todo.

Questionada sobre sua relação com os estudantes, a pesquisadora revela orgulho do grupo: “Eu estou muito contente com os meus alunos. A gente já conseguiu publicar coisas feitas no grupo, no laboratório novo, o que não é trivial, porque teve toda uma implementação recente” - relata. Além dos orientandos com quem trabalha, a pesquisadora conta ainda que aprecia dar aulas para os primeiros anos de graduação: gosta da dinâmica das aulas e de estar em sala de aula, no geral. Ainda que entusiasmada com o trabalho e convívio com os alunos, revela que é nesta mesma seara que reside seu maior desafio: encontrar novos estudantes para integrar o grupo, animados para trabalhar e dar continuidade aos projetos: “Estou preocupada com isso, especialmente, com os recursos humanos. Porque depois, o resto se desenvolve”, reflete. 

Para o projeto “Qual é a condição mínima para um fônon se acoplar a um campo magnético e desviar sua trajetória?”, a professora previu, inicialmente, o oferecimento de uma bolsa de mestrado. Além disso, o Serrapilheira oferece um bônus de diversidade para apoiar bolsistas de grupos sub-representados na ciência. Assim, em breve serão anunciadas vagas adicionais para pós-graduação. Trata-se de uma oportunidade excelente para estudantes e jovens pesquisadores que buscam um ambiente estimulante e favorável ao desenvolvimento acadêmico e pessoal, com a participação em projetos de excelência e ótimas condições de estrutura. 

-> Para mais informações sobre o grupo e sobre vagas disponíveis, contate a docente em valentina.martelli@usp.br

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