História dos aceleradores no LAL

Introdução

O Laboratório do Acelerador Linear (LAL) possui uma longa tradição no uso e construção de aceleradores de elétrons, tendo sido o local onde foram instalados o Bétatron, o Acelerador Linear e, mais recentemente, o Mícrotron.
A história teve início durante a segunda guerra mundial, quando o Prof. Marcello Damy de Souza Santos e equipe, auxiliando no esforço de guerra, construíram os primeiros protótipos de sonares para a Marinha Brasileira e ajudaram o Exército em estudos sobre o poder detonante de pólvoras usadas nas munições. Ao término da guerra, em reconhecimento aos serviços prestados, a Fundação Rockefeller decidiu ajudar com a quantia de US$ 75.000 [1, 2] o então Laboratório de Física Nuclear do Departamento de Física da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da  USP a construir um acelerador de partículas.

Bétatron

Em 1945, após uma visita realizada pelos professores Wataghin e Damy aos E.U.A., o Departamento de Física decidiu que o acelerador mais adequado seria um bétatron. Dessa forma, o Prof. Damy ficou nove meses na Universidade de Illinois trabalhando com o Prof. Donald W. Kerst, inventor do bétatron, no projeto e construção de vários outros. A máquina montada aqui resultou de um destes modelos. 
O eletroímã deste Bétatron foi construído pela empresa Allis-Chalmers e as câmaras de aceleração ("donuts") vieram, inicialmente, da Universidade de Illinois doadas pelo Prof. Kerst. Toda eletrônica de controle e detecção, bem como as fontes de alta tensão, foram construídas aqui pelo Prof. Damy e equipe [2]. 
A montagem do Bétatron tem início em 1949 [3, 4] em um prédio na Universidade de São Paulo cuja construção foi financiada pelos Fundos Universitários de Pesquisas e em 1951 produzia um feixe de elétrons pulsado com energia de 24 MeV e frequência de 360 Hz.


Bétatron instalado na USP

O Prof. Damy realizou uma série de pesquisas, envolvendo os circuitos de controle de estabilidade de energia, que transformaram o Bétatron em um instrumento capaz de permitir o estudo fenômenos nucleares com grande precisão. Pode-se destacar o seu uso para a determinação precisa dos limiares de reações fotonucleares com emissão de nêutrons e também em áreas aplicadas como a irradiação de sementes, produção de isótopos para fins medicinais e radiografias de corpo inteiro [2, 5]. 
 

Bétatron em exposição na Estação Ciência da USP

Acelerador Linear (MARK II)

Em 1962 o Prof. José Goldemberg estava na Universidade de Stanford nos E.U.A., trabalhando com o acelerador linear de elétrons MARK II, de 40 MeV, no estudo do espalhamento de elétrons. 
Com a obtenção de medidas pioneiras para o limite superior do momento de dipolo do elétron  utilizando técnicas de retro-espalhamento, o Prof. Goldemberg ganhou notoriedade entre seus companheiros do Stanford Linear Accelerator Center.
Com a previsão de retorno ao Brasil em 1965, o grupo em que o Prof. Goldemberg trabalhara seria dissolvido. Assim, o então diretor do laboratório, Dr. Walter C. Barber, ofereceu o MARK II ao Prof. Goldemberg, pois com a entrada em operação do acelerador MARK III, de aproximadamente 1 GeV, o antigo MARK II ficara relativamente ocioso e não mais atendia aos interesses daquele grupo [6, 7, 8]. Naquela época o MARK II já havia sofrido uma série de atualizações, possuindo agora duas estruturas aceleradoras e energia máxima de 75 MeV. 
Em 12 de março de 1968, o MARK II chegou ao porto de Santos, a bordo do navio cargueiro Cabo Frio. O acelerador estava desmontado e acondicionado em 20 caixas, pesando ao todo 13 toneladas. Foram necessários quatro caminhões para trazê-lo até a USP [9].
Para abrigar este acelerador foi necessário construir um novo prédio (ao lado do prédio do Bétatron) capaz de conter a elevada radiação produzida. Esse prédio foi construído pelo Fundo de Construção da Universidade São Paulo (Fundusp) utilizando recursos conseguidos com a venda da areia retirada para a construção da Raia Olímpica da USP [6].
Em 1969, após a construção do prédio, o MARK II, agora conhecido apenas como Acelerador Linear começou a ser montado pelos professores Jiro Takahashi, Yamato Miyao, José R. Moreira e equipe. Embora a Universidade de Stanford tenha doado a maior parte do acelerador (estruturas aceleradoras, moduladores, e eletroímãs focalizadores), diversas partes precisaram ser construídas aqui e outras substituídas devido ao mau funcionamento. As válvulas klystrons (amplificadoras de microondas) foram compradas da empresa RCA. O primeiro canhão de elétrons deste acelerador foi fabricado pelo Prof. Argus Moreira  (CBPF-RJ) [9].
Muitos problemas foram encontrados para o ajuste dos moduladores e consequente injeção de microonda nas estruturas.  Mesmo quando estes problemas foram sanados, o acelerador ainda não produzia feixe. Nesta época o Prof. Robert Hofstadter, prêmio Nobel de física, da Universidade de Stanford, que participava de uma conferência, visitou as instalações do acelerador. Após tomar conhecimento dos vários problemas, o Prof. Hofstadter convidou o Prof. Jiro Takahashi e Prof. José R. Moreira para uma visita às instalações de Stanford. Após algumas semanas nos E.U.A. e com o "know how" adquirido, os problemas puderam ser sanados e em 1971 o Acelerador Linear produziu o primeiro feixe de elétrons [10].

Acelerador Linear, visto a partir do canhão de elétrons

Acelerador Linear, visto a partir da segunda estrutura aceleradora

O Acelerador Linear funcionou até 1993 e conseguiu produzir um feixe de elétrons analisado (com boa discriminação de energia) da ordem de 70 MeV e corrente de 0.5 mA. 
Pode-se destacar o seu uso para estudos em espectroscopia nuclear, ressonancias gigantes fotonucleares e fissão nuclear.
Após sua desmontagem, várias partes do Acelerador Linear foram doadas, como por exemplo para o Laboratório Nacional de Luz Sincrotron (LNLS), como parte de seu acelerador injetor e em uma estação de testes de microondas.


Equipe de operação e manutenção do Acelerador Linear
Da esquerda para direita: Antônio F. dos Reis, José Carlos A. Alcon, Juarez Arruda, Francisco T. Degasperi, Antônio Carlos Tromba, Marcelo M. Lucena.

Referências

1. SCHWARTZMAN, S. A Space for Science - The Development of The Scientific Community in Brazil. The Pennsylvania State University Press, 1991, cap. 6. Disponível em www.schwartzman.org.br/simon/space/chapter6.htm.
2. SANTOS, M.D.S. Entrevista realizada em São Paulo, 28 de Agosto de 2003.
3. Folha da Manhã. São Paulo, 26 de Janeiro de 1949, 1o caderno, p.3.
4. Folha da Manhã. São Paulo, 30 de Novembro de 1948, caderno único.
5. SANTOS, M.D.S. Controle de energia para aceleradores a indução magnética. 1953. Tese (Provimento de Cátedra) – Instituto de Física da USP.
6. GOLDEMBERG, J. Entrevista realizada em São Paulo, 22 de Maio de 2003.
7. GINZTON, E.L. An Informal History of Slac – Part one: Early Accelerator Work at Stanford. SLAC Beam Line, special issue, n. 2 April 1983.
8. The Stanford Daily. Stanford, CA, vol. 153, n.9, fevereiro de 1968, p. 6.
9. Folha de São Paulo. São Paulo, 27 março de 1968, primeiro caderno, p.12.
10. TAKAHASHI, J. Entrevista realizada em São Paulo, 1 de Junho de 2003.